Tenho esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa, progressiva e que, até o momento, não tem cura. Normalmente, a média de vida dos pacientes varia de dois a cinco anos. Há casos que evoluem mais rapidamente, como também há pessoas que convivem com a doença por décadas, como ocorreu com o físico britânico Stephen Hawking (1942-2018). No meu caso, já se passaram doze anos desde o primeiro sintoma, em novembro de 2010.
O diagnóstico veio em 2012 e, diante dele, quando eu só apresentava comprometimento em alguns dedos das mãos, percebi que só me restavam duas opções: esperar a morte ou viver intensamente cada dia. Sou formada em direito e atuei na área trabalhista por 22 anos. Um ano depois de ter sido diagnosticada, fui aposentada por invalidez. Apesar de ter recebido uma sentença de morte sem ter cometido nenhum crime, ainda tinha a oportunidade de fazer muita coisa — afinal, estava viva. Com o passar dos anos, foram aumentando as limitações, mas fui me reinventando, gerando diferentes oportunidades de ser feliz, descobrindo uma fortaleza que até então eu não sabia que possuía.
Atualmente, só consigo, praticamente, mexer os olhos e alguns músculos da face. Necessito de terceiros para escovar os dentes, me limpar, tomar banho, me vestir e despir, levantar e virar na cama, ajeitar o computador na minha frente, me posicionar, colocar e tirar os óculos, coçar e até para tirar um fio de cabelo que cai no rosto. Não me alimento por via oral, mas por sonda gástrica. Não falo mais. Respiro com ajuda de ventilador mecânico, ligado à traqueostomia (abertura feita cirurgicamente na traqueia). Tenho sempre alguém 24 horas por dia ao meu lado.
Procuro mostrar que, mesmo na minha condição, é possível ter vida. Vou ao teatro, cinema, shows, shoppings, parques e jogos do Athletico Paranaense, time do qual sou torcedora. Sempre procurei extrair o lado positivo das dificuldades pelas quais passei desde o início da doença. E, assim, mostrar a todos que a vida é bela e que, para ser feliz, basta querer. E eu quero.
Para me comunicar uso um dispositivo chamado Tobii, que é acoplado ao computador e que lê os movimentos da íris. Eu olho para um teclado que aparece na tela e fixo o olhar na letra que pretendo digitar. E, assim, vou formando palavras e frases. Foi com o movimento dos meus olhos que escrevi dois livros. Em outubro de 2020, em plena pandemia de Covid-19, foi lançado o primeiro: Como Cresci com ELA, no qual relato a minha vida pós-diagnóstico e a forma como passei a encarar cada desafio que a doença me trouxe. Em junho de 2022 foi lançado o segundo, chamado A Vida É Bela — Como Aprender com ELA, com reflexões sobre a doença e sobre a vida. Tento mostrar a todos que a felicidade é uma opção.
Agora, estou prestes a realizar meu último desejo, que é fazer uma travessia de navio do Brasil à Europa. A viagem será feita em abril e deve durar 22 dias. Será um desafio, pela minha condição de saúde. Algumas pessoas acham que eu não deveria utilizar a expressão “último desejo”, pois tem um tom de despedida e soa como uma desistência de viver. Mas não é isso. Jamais vou me entregar. Retrata tão somente o último dos meus sonhos, ao lado de ver meu filho formado e encaminhado. O que vier, daqui para a frente, será bônus que, certamente, não desperdiçarei. A vida pode não ser fácil, mas é maravilhosa e ainda quero viver muito. Estou bem e tenho muita disposição para continuar lutando. Vivo um dia de cada vez. Se a cura da ELA não vier a tempo, pelo menos vou poder dizer que a minha vida foi bem vivida.
Lucia Wood Saldanha em depoimento dado a Paula Felix
Maria Lucia Wood Saldanha abriu uma vaquinha on-line – Último Desejo – para juntar dinheiro e conseguir realizar a sonhada viagem para a Europa com o filho, que custeará seus gastos. Clique aqui para participar.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832