Durante muito tempo, o jogador interessado em conhecer alguns dos games mais badalados das últimas décadas deveria se satisfazer com gráficos e controles que pareciam saídos da idade da pedra. Os que se arriscavam a desbravar plataformas antigas enfrentavam visual ultrapassado, pixels pobrezinhos e movimentação confusa — e algumas vezes até indecifrável — de personagens. Recentemente, contudo, a indústria descobriu que havia nesse espectro um campo a ser explorado. Em vez de apenas relançar ícones do passado, decidiu-se por remasterizações e remakes suportados por tecnologias atuais. O resultado são clássicos de vota ao jogo, mas agora enriquecidos com os recursos da nova era digital.
O caso mais expressivo da leva de recriações é The Last of Us Part I. O título original retratava a história de Joel, um americano que recebe a missão de escoltar a adolescente Ellie em um cenário apocalíptico em que humanos foram infectados por fungos. Lançado em 2013, transformou-se em um clássico instantâneo, elogiado pela história envolvente e personagens carismáticos. Quase uma década depois, ganhou uma continuação, The Last of Us Part II, e em breve terá versão para a TV a ser exibida pela HBO. “Com tantos novos fãs se interessando pela história de Joel e Ellie, sabíamos que um jogo de dez anos atrás não representaria uma experiência moderna”, disse a VEJA Matthew Gallant, diretor do jogo. “A história continua incrível, mas todo o resto parecia datado.”
Para atualizar o projeto, foi preciso recriá-lo do zero, com novas mecânicas e visual repaginado, mas ao mesmo tempo manter o espírito e a história originais. “Quando lançamos o título para o PlayStation 3, tivemos pela frente as limitações técnicas da época”, diz Shaun Escayg, diretor criativo do remake. “Agora, pudemos explorar todos os pequenos detalhes.” A estratégia funcionou: o renascimento do game resultou em 10 milhões de unidades vendidas no mundo, o que o colocou entre os campeões na preferência do público.
O maior desafio dos remakes é manter a essência da versão anterior e assegurar que os antigos jogadores não se sintam traídos enquanto novos gamers são conquistados. O RPG futurista Mass Effect, lançado em 2007 para Xbox 360 e PC, foi recriado para a nova geração de consoles de acordo com essa perspectiva. Títulos da série Resident Evil, a mais popular sobre zumbis, também foram redesenhados com a tecnologia atual, assim como games protagonizados por ícones como Mario e Zelda.
Os saudosistas radicais não foram abandonados pelo mercado. Nos últimos dois anos, consoles como Atari e Master System chegaram às lojas em versões modernas, com conexão para as TVs atuais, e dezenas de títulos já salvos na memória. Basta plugá-los e jogar Pong, Space Invaders ou Sonic com os gráficos e controles da época. Trata-se de um fenômeno importante para incluir todos os tipos de jogador em um mercado que movimenta quase 200 bilhões de dólares por ano e contempla 3,2 bilhões de pessoas no mundo. Para manter o crescimento, o setor precisa chegar ao maior número possível de interessados. Apelar para a nostalgia, portanto, faz todo o sentido. A tendência deverá durar um bom tempo. A lista de lançamentos para os próximos meses inclui remasterizações de clássicos como Star Wars: Knights of the Old Republic, RPG ambientado no ambiente de Guerra nas Estrelas, e 007: GoldenEye, título querido pelos antigos jogadores do Nintendo 64. No mundo dos games, o passado, o presente e o futuro andam de mãos dadas.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807