Os brasileiros têm uma vocação natural para novas tecnologias. Seja por necessidade ou por comodidade, é como se tivéssemos uma habilidade inata que nos empurra em direção à inovação. O país está entre os cinco maiores para os nove produtos do Google com mais de 1 bilhão de usuários no mundo, incluindo a Busca, o Google Maps e o YouTube. A pandemia de Covid-19, que obrigou milhões de pessoas a se resguardarem em casa, transformou essa vocação em uma ferramenta de sobrevivência neste período sem precedentes que estamos vivendo, com milhões de vidas em jogo e pouquíssimas certezas.
O primeiro sinal claro de como a pandemia mudou nossa rotina é a explosão do uso de videoconferência. Com as medidas de distanciamento social consolidadas, o Brasil e o mundo nunca buscaram tanto sobre o assunto, levando à adoção massiva dessa ferramenta de comunicação. A videoconferência deixou de ser parte apenas das salas de reunião de empresas para entrar na sala de estar das pessoas. Ficou difícil imaginar a vida sem conversas por vídeo, mesmo depois que tudo isso passar: o uso de Google Meet cresceu 25 vezes em relação a janeiro deste ano e superou a marca de 2 milhões de novos usuários por dia. Como a videoconferência se tornou essencial, acabamos de anunciar que o Meet agora pode ser usado gratuitamente por qualquer pessoa que tenha um e-mail.
Em consonância com esse movimento, estamos vivendo um salto na curva de adoção de recursos de educação à distância. As escolas precisaram, em questão de semanas, criar sua infraestrutura ou expandir a capacidade atual para poder atender todos os alunos. Ainda existem desafios, mas já vemos bons exemplos de como a tecnologia pode encurtar a distância entre professores e alunos. Um deles é a parceria entre o Google for Education e a Somos Educação que está permitindo que 70 000 professores ministrem aulas para mais de 1 milhão de alunos. A plataforma de ensino digital da Somos, chamada Plurall, agora permite ministrar aulas ao vivo – antes, os vídeos eram gravados. Nos últimos dias, a integração possibilitou que fossem realizadas, em média, 15 000 aulas ao vivo por dia.
“Temos visto encontros virtuais ganharem relevância, com transmissões feitas por artistas”
Para entender melhor o que está acontecendo, é preciso dar um passo atrás e compreender a Pirâmide de Maslow, criada por Abraham Maslow em 1950. Segundo o psicólogo americano, as pessoas têm um conjunto de necessidades que se sobrepõe de maneira hierárquica. Na base, as mais urgentes são as fisiológicas, incluindo comer e dormir, enquanto no topo estão aspectos mais abstratos relativos à realização pessoal, como liberdade, superação e independência.
A velocidade da pandemia de Covid-19 misturou a ordem dessas prioridades e aspectos como a conexão com a família e amigos, que antes ficavam no terceiro nível da pirâmide, hoje estão na base. Somos humanos, nos alimentamos da conexão emocional com outras pessoas, das relações que nos ajudam a aprender e a compartilhar com outros nossos conhecimentos.
A internet é o veículo que permite viajar para longe, encontrar amigos e familiares ou se conectar com seu ídolo em um show transmitido ao vivo para milhões de pessoas. Temos visto encontros virtuais ganharem cada vez mais relevância, com transmissões feitas por artistas brasileiros, com destaque para a “rainha da sofrência” Marília Mendonça, que atingiu um pico de 3,3 milhões de visualizações simultâneas, quebrando o recorde do YouTube. A expressiva resposta de seus seguidores aponta para uma mudança na maneira como a sociedade consome entretenimento. É um novo fenômeno cultural que deve influenciar fortemente nossos hábitos pós-pandemia.
Do lado das empresas, a pandemia obrigou líderes a rever planos para focar na segurança de seus funcionários e na manutenção dos negócios. Para todos, o momento é de navegar na incerteza. Forçados a migrar para uma operação remota, vários empresários perceberam que estavam longe de estarem prontos, no entanto isso não tem sido necessariamente um desastre.
A verdade é que as crises também oferecem oportunidades. Diante da ameaça, as pessoas são estimuladas a tomar ações rápidas e assertivas. A necessidade de mudança levou o conceito de transformação digital, que há tempos estava preso no papel, a ganhar o protagonismo necessário na estratégia das empresas. Ao se verem obrigados a fecharem suas lojas, muitos empreendedores tiveram de criar do zero sua infraestrutura de e-commerce, fechar parcerias para entregar seus produtos e promover uma verdadeira revolução em sua logística de distribuição.
Algumas empresas começaram a virar o jogo. Com uma nova plataforma, o Magalu, por exemplo, passou a oferecer um marketplace para pequenas lojinhas e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para autônomos ganharem comissão ao venderem produtos da varejista. O projeto já estava nos planos do Magalu, entretanto o que demoraria cinco meses para ficar pronto levou cinco dias.
De maneira semelhante, a urgência em oferecer renda à população mais prejudicada pela quarentena, autônomos e trabalhadores informais, impeliu o governo federal a trabalhar rápido com os bancos públicos para disponibilizar um aplicativo para a solicitação do auxílio emergencial. Parece trivial, porém é um passo grande na oferta de recursos de cidadania digital, uma necessidade urgente em diversos países, assim como no Brasil. O aplicativo ficou pronto e fizemos um esforço para que ele chegasse a milhões de brasileiros que usam smartphones com sistema Android.
A pandemia nos forçou a mudar nossa rotina, hábitos e expectativas para proteger vidas. O momento é difícil e está exigindo sacrifícios de todos – cidadãos, empreendedores, consumidores e trabalhadores. Certamente, há muitas limitações para o que é possível fazer agora, contudo acredito no potencial de reinvenção do brasileiro e em sua capacidade de encontrar formas criativas e inovadoras para superar desafios. Antes de tudo, o mais importante é ficar seguro e ajudar a frear o avanço da doença para estarmos melhor preparados para o que vem a seguir.
* FABIO COELHO é presidente do Google Brasil e vice-presidente da Google Inc.
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