Arte ou truque? O avanço da inteligência artificial na criação de imagens
Com a evolução de programas e plataformas de IA, está cada vez mais difícil diferenciar o que foi criado por máquinas ou por seres humanos
À medida que o mundo continua a depender cada vez mais da inteligência artificial (IA), as implicações éticas dessa tecnologia tornam-se também mais preocupantes. A IA está sendo usada para reconhecimento facial, diagnóstico médico e até para prever o comportamento do ser humano. Embora o recurso possa oferecer conveniência e eficiência, muitas vezes acaba sendo usado sem a devida consideração pelas consequências, levantando questões de privacidade e liberdades civis.
Elaborado originalmente em inglês por uma plataforma de inteligência artificial, o parágrafo acima foi gerado a partir da seguinte definição: “Criar um texto crítico ao uso de inteligência artificial para um veículo de imprensa”. O resultado foi mais extenso, passou por tradução e algumas pequenas edições, mas esse aperitivo dá uma ideia do que as máquinas são capazes de fazer quando bem programadas e com algoritmos afiados.
A sofisticação não se restringe ao texto. Há ferramentas e plataformas que conseguem criar desenhos, pinturas e até imagens fotográficas realistas, como Dall-E, Midjourney e Stable Diffusion, sem falar em aplicativos como Prisma e Lensa, que aperfeiçoam retratos e fotos. O realismo impressiona tanto quanto as primeiras experiências com o deepfake, na segunda metade dos anos 2010, quando surgiu a tecnologia para criação de vídeos que permitia colocar palavras na boca de outras pessoas, literalmente.
Agora, porém, os resultados obtidos estão cada vez mais difíceis de ser diferenciados do real porque o “aprendizado de máquina” está melhorando. Isso significa que esses programas e aplicativos funcionam aprendendo com o que está disponível na internet e com o retorno dos usuários. Sempre que uma pessoa pede à máquina que elabore uma imagem, ela vai consultar arquivos e bancos de dados abertos. O resultado quase sempre é uma grande mistura que recebe retoques para se adequar ao pedido original.
Um exemplo prático está na capa da revista americana Cosmopolitan publicada em sua edição de junho. A “fotografia” foi obtida com a ferramenta Dall-E, do laboratório de pesquisa em inteligência artificial OpenAI, a partir de um pedido da equipe de seis jornalistas envolvidas na tarefa: “Imagem grande angular de baixo para cima de uma astronauta com um corpo feminino atlético caminhando com arrogância em direção à câmera em Marte em um universo infinito”.
No Brasil, o escritor e quadrinista Romeu Martins e o ilustrador Jean Milezzi, ambos de Santa Catarina, fizeram uma experiência semelhante, usando a ferramenta Midjourney para criar uma história em quadrinhos de oito páginas. Em Inteligência Artificial, disponível nos perfis de Instagram da dupla, um rapaz vai retirar dinheiro em um caixa eletrônico supermoderno e tem uma discussão violenta com a atendente virtual. Os quadros foram elaborados separadamente e modificados por Milezzi.
Nos dois casos citados, houve a intervenção de uma diretora de arte e de um ilustrador. Mas o problema da autoria, dos direitos e da privacidade se mantém. “Muita gente nem sabe que tem suas artes e fotografias sendo usadas sem ser consultada”, diz Martins. “Por isso, para fazer a HQ eu escolhi trabalhar com um artista.” Outra solução, continua ele, seria trabalhar com bancos de dados pagos. “Dessa forma, artistas, ilustradores e fotógrafos seriam remunerados.”
Não admira que os estudos acadêmicos nesse campo tenham se intensificado. Professor de engenharia mecânica e diretor do Laboratório de Máquinas Criativas da Universidade de Columbia, o americano Hod Lipson trabalha em um projeto chamado PIX18, no qual robôs pintam telas a óleo físicas. O resultado impressiona pela variedade de estilos. “Estamos à beira de um novo gênero de arte visual”, disse ele a VEJA. Mesmo considerando que o aprendizado de máquina está cada vez melhor, Lipson argumenta que uma solução para não levar gato por lebre é recorrer à própria IA para diferenciar a arte digital de uma racional. “Um humano não pode saber a diferença, mas outra IA pode”, diz Lipson. Ele compara o momento atual com os spams nas caixas de e-mail, praticamente erradicados pelos filtros. As empresas de tecnologia têm dinheiro e recursos para evitar que o problema escale. Basta ter vontade para perseguir esse objetivo.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822