Dê play para assinar: indústria de jogos aposta em serviços de streaming
Seguindo exemplos de sucesso da música e do cinema, serão disponíveis centenas de títulos a uma taxa mensal
Bill Gates, o bilionário fundador da Microsoft, disse certa vez que “a chave do sucesso é perceber para onde o mundo se dirige e chegar lá primeiro”, preceito seguido à risca ao longo de sua trajetória como precursor da computação doméstica. Outros setores seguiram o bom e esperto conselho. A música e o cinema tiveram de se adaptar à revolução digital, transformando CDs e fitas VHS em itens de museu, enquanto plataformas como Spotify, Netflix e semelhantes se consolidaram ao oferecer um catálogo vasto a uma taxa mensal acessível. A lógica — a sacada de quem chegou antes — vem invadindo a seara de Gates, especificamente o mundo dos games.
A essência permanece a mesma desde que o primeiro console Odissey foi vendido, em 1972, seguido por Ataris, Nintendos e cia. O prazer de sentar-se à frente de uma tela e passar horas desbravando novos mundo, afinal, nunca saiu de moda. Pelo contrário. A indústria dos games é líder no ramo do entretenimento, com 175 bilhões de dólares movimentados em 2021. O que mudou foi o modo de consumir os jogos. Vale experimentar de tudo um pouco, como as séries de TV. Nesse universo de possibilidades, o Xbox, da própria Microsoft, deu tiros certeiros. Em 2017, foi lançado o Xbox Game Pass, apelidado de “Netflix dos games” por oferecer mais de 200 títulos, para console e PC, incluindo os nativos e de estúdios independentes, a uma taxa mensal que varia, hoje, de 29,99 reais a 44,99 reais. Estão lá franquias de sucesso, como Age of Empires 4, Forza Horizon 5 e o recém-lançado Halo Infinite. É uma pechincha, visto que o valor somado de todos os games, se comprados individualmente, ultrapassaria 36 000 reais.
Contudo, como diz o adágio, quando a esmola é demais, o santo desconfia — e a concorrência torce o nariz. Executivos do PlayStation, da Sony, chegaram a dizer que o modelo de assinaturas não seria sustentável, mas parecem ter voltado atrás. A empresa japonesa prepara o lançamento da Spartacus, plataforma nos moldes do Game Pass. Outras grifes, como EA, Google, Apple e Amazon também investem pesado no segmento de streaming. O serviço Ubisoft+, com franquias como Far Cry e Assassin’s Creed, antes restrito aos computadores, será lançado para consoles Xbox, da Microsoft.
Baseado no apelo do preço, o serviço de assinatura caiu no gosto dos brasileiros. “Por seu valor agregado, é benéfico para o ecossistema como um todo”, diz Bruno Motta, gerente sênior da categoria Xbox no Brasil. “É ótimo para quem joga, dado o vasto conteúdo, bom para a empresa, que tem o cliente satisfeito e fiel, e excelente para os desenvolvedores.” Segundo levantamento da Microsoft, os assinantes jogam 20% mais tempo e experimentam 40% a mais de jogos do que os consumidores tradicionais. No último balanço, o Xbox Game Pass tinha 18 milhões de assinantes globais. Com a expansão dos serviços, porém, os especialistas acreditam que vai ocorrer fenômeno semelhante ao streaming de filmes — será preciso assinar múltiplos serviços para ter acesso a tudo, o que pode pesar no bolso. “Não precisaremos mais de supercomputadores”, diz Ana Amélia Erthal, pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “Bastará uma boa conexão de internet.”
E vem aí, atrelada à boa conexão, a próxima era: a dos jogos em nuvem. Será possível jogar em um smartphone, tablet ou televisor. E, como intuiu Gates, a Microsoft largou na frente com a estreia, ainda em testes, do Xbox Cloud Gaming. Os jogos são executados em um data center e transmitidos ao jogador em tempo real. No Brasil, a implementação da tecnologia 5G, prevista para o segundo semestre deste ano, melhorará a fluidez. “O cloud gaming é uma jornada que começa agora a ser construída”, resume Bruno Motta. Bem-vindos a um novíssimo capítulo da história da diversão.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772