Anos atrás, ao fazer uma pesquisa com um grupo de jurados, o ex-agente do FBI Joe Navarro notou que eles detestavam quando os advogados ficavam com parte do corpo encoberta por uma bancada no tribunal. Se as testemunhas escondiam suas mãos durante os depoimentos, isso causava ainda mais consternação. Sem ver os gestos dos participantes, os jurados afirmavam ser difícil avaliar as argumentações das pessoas. O estudo, embora informal, apontou a importância que os movimentos corporais têm na interação humana — deriva deles, afinal, muito de nossa capacidade de transmitir sentimentos e sensações. Agora, durante a pandemia, um novo desafio vem reforçar seu valor: envoltas em intermináveis reuniões virtuais no Zoom, no qual apenas os rostos são focalizados, as pessoas deixaram de contar com o arsenal de gestos involuntários que ajudam a entender o que o interlocutor está expressando para além das palavras (e também, claro, a realçar o que pretendemos comunicar). “Quando conversamos pessoalmente, nosso subconsciente capta informações de todo o espaço. De repente, tudo o que temos agora é a pequena tela das videoconferências”, disse Navarro a VEJA em entrevista realizada — haja ironia — pelo Zoom.
Em seu mais recente livro, O que Todo Corpo Fala (Sextante), escrito em parceria com o psicólogo Marvin Karlins e com mais de 1 milhão de exemplares vendidos no mundo, ele destrincha o significado dos gestos humanos a partir de casos reais que investigou. Instintivamente, todo ser humano consegue ler os gestos corporais nas outras pessoas. Trata-se de uma habilidade que precede a fala, presente inclusive em outros animais, e que foi essencial à evolução. A linguagem corporal já está tão introjetada no inconsciente que é virtualmente impossível disfarçá-la. As expressões faciais fornecem as evidências mais contundentes da comunicação não verbal. Nos anos 70, o psicólogo americano Paul Ekman, um dos pioneiros na área, descobriu as chamadas microexpressões faciais — que ocorrem quando tentamos suprimir uma emoção (e cujo estudo ajuda a desmascarar mentirosos). Navarro vai além: enfatiza o papel crucial dos movimentos dos pés e das mãos. Através deles, é possível detectar no interlocutor sentimentos como ansiedade, alegria, excitação, impaciência e medo (confira no quadro).
Muito antes de se tornar especialista em comunicação não verbal e um dos fundadores do laboratório de psicologia comportamental do FBI, nos anos 70, Navarro teve de aprender na marra a entender o que as pessoas pensavam a seu respeito. Nascido em Cuba, ele se refugiou com a família nos Estados Unidos aos 8 anos (hoje tem 67). Sem falar inglês, percebeu que podia “traduzir” o que os outros falavam só por meio de seus gestos e expressões faciais, habilidade que anos depois faria sua fama no FBI. Após aposentar-se, passou a ensinar o que aprendeu em palestras e até em consultorias a jogadores de pôquer.
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Uma das suas análises mais curiosas diz respeito aos pés: segundo ele, seriam a parte “mais honesta” do corpo. “É um erro a maioria dos interrogadores permitir que suspeitos fiquem com os pés escondidos sob uma mesa ao depor”, lamenta. No livro O que Todo Corpo Fala, ele ensina como a posição deles pode indicar sentimentos como alegria ou desconforto. Exemplo: quando o pé aponta para cima, geralmente significa que a pessoa está de bom humor. “Um jogador de pôquer até pode dissimular a excitação se está com boas cartas nas mãos. Mas seus pés, não”, pondera. As mãos também transmitem informações preciosas, evidenciando sinais como agressividade e falta de sinceridade. “Quando interagimos com outras pessoas, nós nos fixamos naturalmente nas mãos. Para o cérebro, elas são essenciais na comunicação”, diz.
Navarro conhece bem os costumes do Brasil, onde esteve pela primeira vez em 1984. Desde então, já visitou dezenas de cidades do país, especialmente no período em que trabalhou na Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília. Enquanto esteve aqui, comprovou que alguns gestos são universais. Juntar as mãos em torre, como nas orações, mas sem entrelaçar os dedos, é um deles: significa que você está seguro do seu posicionamento. Navarro atestou isso pessoalmente, ao observar os índios que viviam isolados na Amazônia: eles reproduziam o gesto com a mesma finalidade que qualquer outra pessoa ao redor do mundo.
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Com a pandemia, as ferramentas de comunicação corporal, refinadas por milhares de anos, ficaram limitadas à telinha do Zoom. Navarro dá uma dica para amenizar o problema: criar o costume de afastar-se da câmera, para que mais detalhes sejam captados em cena. “Podemos ajudar uns aos outros se não ficarmos com o rosto colado na tela”, diz. O corpo fala, é verdade — mas a tecnologia precisa dar uma forcinha.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733
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