Na disputa pela liderança do mercado de consoles de games, as empresas buscam criar os gráficos mais impressionantes, os aparelhos com as especificações técnicas mais avançadas e os enredos mais viciantes — e tudo isso embalado por campanhas de marketing agressivas. A veterana companhia japonesa Nintendo, no entanto, ocupa posição de destaque com uma estratégia diferente. É mais discreta, seus consoles não são tão poderosos quanto o dos concorrentes, lança menos jogos — embora produzidos com cuidado extremo — e almeja alcançar um público diverso, não apenas os gamers inveterados. Não à toa, já foi comparada à “Apple do mundo dos games”, mesmo sendo muito mais antiga que a concorrente. Além disso, é dona de algumas das marcas mais famosas do planeta. Até quem nunca segurou nas mãos um controle de videogame conhece os personagens Mario e Luigi ou os Pokémons.
A mais recente prova do sucesso desse modelo de negócios é o lançamento de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. Continuação do elogiado Breath of the Wild, de 2017, eleito pela crítica um dos melhores títulos dos últimos anos, a nova investida é ainda mais ambiciosa. O game oferece total liberdade ao jogador, que controla o carismático personagem Link em sua busca para salvar a princesa Zelda em um gigantesco mundo aberto. Há combate com monstros, quebra-cabeças complicados e a possibilidade de explorar todos os ambientes do jogo, mas sem a ação frenética ou os gráficos perfeitos que a tecnologia atual pode entregar. Além de críticas elogiosas, vendeu 10 milhões de cópias apenas nos três primeiros dias. O game é exclusivo para o Switch, console da Nintendo que também é sucesso absoluto de vendas. Até agora, 122,5 milhões de unidades foram vendidas no mundo inteiro — ele só perde para o PlayStation 2, o mais popular da história. No mercado geral, a Sony, dona do PlayStation, lidera com 45% de participação (leia o quadro).
Ter personagens e marcas que agradam a jovens e velhos e criar produtos fáceis de jogar, sem que seja preciso ser um especialista, são fatores que asseguram longevidade à Nintendo. Fundada no século XIX, mais precisamente em 1889, quando os videogames nem sequer existiam, a companhia começou como uma fabricante de baralhos até que mudou o foco para a nascente indústria de jogos eletrônicos na década de 1970. A transformação foi acelerada graças à participação do visionário designer Shigeru Miyamoto, que entrou na companhia em 1977 como aprendiz e ao longo dos anos foi responsável por criar franquias como Mario, Donkey Kong, Zelda e Star Fox, entre outras. Atualmente com 70 anos, ele continua envolvido em diversos projetos. Assim como a companhia em que trabalha, prefere se manter longe dos holofotes, embora seja considerado um mito do setor. É avesso a aparições e pouco conhecido fora do mercado de games. “Miyamoto é um gênio, mas, ao contrário de nomes como Steve Jobs ou Jeff Bezos, não faz parte do mainstream”, diz Ricardo Cavallini, CEO da consultoria Makers Brasil.
Nem mesmo a relutância da empresa em liberar suas marcas para outras mídias diminui o sucesso. Enquanto games populares são adaptados para séries, jogos de tabuleiro, brinquedos e diversos outros formatos, os personagens de enorme apelo afetivo para diferentes gerações ainda são mantidos quase que exclusivamente nos games. A situação, contudo, começa a mudar. O personagem Mario ganhou um novo filme neste ano, após a desastrosa adaptação em live action de 1993, com Bob Hoskins no papel principal. O sucesso da nova animação, que arrecadou 1,2 bilhão de dólares em bilheteria, mostra o potencial dessa marca. Além disso, os parques de diversão Universal Studios do Japão e de Hollywood ganharam a Super Nintendo World, área temática dedicada aos personagens da franquia Mario, e vêm recebendo visitantes entusiasmados. “A Nintendo tem muito material que renderia boas produções, como Animal Crossing”, afirma Cavallini. Talvez o desempenho positivo das recentes iniciativas motive a centenária Nintendo a investir além dos games. Com isso, os concorrentes certamente terão mais motivos para se preocupar.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843