Instagram para crianças: a polêmica está apenas começando
Projeto do Facebook gera discussões acaloradas nos Estados Unidos: não é hora de proteger as crianças das redes sociais?
“Como todos os pais sabem, as crianças já estão on-line.” Esse é o argumento de Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, para justificar seus planos recentemente revelados de lançar uma versão infantil do Instagram. A plataforma seria voltada para menores de 13 anos, atual idade mínima para usuários dessa e das principais concorrentes — exigência, ressalte-se, facilmente burlável, bastando que se minta a data de nascimento. A proposta, evidentemente, gerou acalorados debates nos Estados Unidos. Há alguns dias, legisladores democratas enviaram uma carta à empresa exigindo a desistência da empreitada e alegando que o Facebook tem “histórico de falhas em proteger crianças”. Eles se referem ao Messenger Kids, plataforma de mensagens do próprio Facebook destinada a usuários infantis, mas que é frequentada por adultos. Zuckerberg, ao que parece, não quer deixar as crianças em paz — e se mantém firme na intenção de levar adiante a versão kids do Instagram.
A polêmica está posta e deve seguir por algum tempo. Mas o que dizem os especialistas? Crianças absorvem conhecimento como uma esponja e formam sua identidade e repertório com base nos conteúdos que acessam desde pequenas. Assuntos sensíveis, como sexo, drogas ou violência, devem ser apresentados com cuidado, à medida que a capacidade cognitiva vai aumentando. Eis o desafio em meio a tantas telas e facilidades. Recentemente, uma criança de 3 anos ganhou fama ao fazer um pedido de 400 reais por um aplicativo de delivery. Isso é o de menos. A destreza com a tecnologia, somada à ingenuidade, pode acarretar problemas bem mais graves.
Procurado por VEJA, o Instagram se defendeu. Disse que seus planos priorizam a segurança das crianças, e que especialistas em desenvolvimento e saúde mental infantis, além de defensores de privacidade, auxiliarão na criação da plataforma. A empresa se comprometeu a seguir os moldes do YouTube Kids, cujos perfis são gerenciados pelos pais, com ferramentas de controle como o uso de senhas.
Zuckerberg tem razão quando diz que as crianças já estão on-line: quase 80% dos brasileiros entre 10 e 13 anos têm acesso à internet. O número cresceu durante a pandemia, com famílias trancadas em casa e pais cada vez mais cansados e propensos a recorrer à equivocada percepção de que ao deixar o filho diante de um celular ou tablet vão acalmá-lo. “É o contrário. A criança é hiperestimulada e, sem gastar energia física, fica mais agitada ou irritada”, explica Vanessa Abdo, doutora em psicologia social pela PUC-SP e especializada em comportamento infantil. “O corpo se aquieta, mas o cérebro continua sendo bombardeado de informações.”
Um Instagram para crianças anteciparia a sanha por likes e a chamada síndrome de Fomo (sigla em inglês para “medo de ficar de fora”), termo cunhado em 1996 pelo estrategista de marketing americano Dan Herman sobre a necessidade de acompanhar tendências. “Isso aumenta a ansiedade e a angústia, porque a vida real não é tão interessante, bonita e colorida, e nem tão dramática, sem os filtros do Instagram”, completa Vanessa. Em suma, as redes já causam problemas para os adultos e não é difícil imaginar os efeitos perversos em crianças com personalidade em formação.
No passado recente, garotos e garotas também estavam expostos a conteúdos não recomendáveis, muitas vezes no rádio ou na TV aberta, e apresentados de forma naturalizada e banal. A diferença está em quem comandava o controle remoto. “Os pais tinham maior autonomia e o que era proibido era bem definido”, comenta Renato Rochwerger, mestre em psicologia clínica pela USP. “Hoje está tudo mais borrado. A liberdade tem aspectos positivos, mas impõe novos desafios aos pais.”
Outro ponto importante está relacionado ao cyberbullying. Ser chamado de bobo numa rede social, onde o clique de um print pode eternizar a ofensa, tem peso maior do que ser xingado no pátio do colégio. Trata-se, portanto, de uma discussão complexa e que permite várias abordagens. De todo modo, os especialistas afirmam que é recomendável adiar o ingresso de crianças nas redes socias. Elas, afinal, terão a vida inteira para se conectar. O fundamental é que os pais sejam responsáveis pela educação dos filhos. Isso, sim, merece todos os likes.
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740