Jogada esperta: a nova versão do sistema de inteligência artificial da Meta
Ela almeja destronar o ChatGPT e reforça a aposta das big techs em um segmento que não para de evoluir
O surgimento do ChatGPT, no fim de 2022, se tornou um divisor de águas no acesso a ferramentas de inteligência artificial (IA). Criado pela OpenAI, do empreendedor do Vale do Silício Sam Altman, o software foi o primeiro a colocar na palma da mão de milhões de pessoas uma espécie de robô capaz de conversar, realizar cálculos, escrever textos e produzir imagens, popularizando uma das tecnologias mais revolucionárias e controversas da atualidade. Como não poderia deixar de ser, foi um sucesso estrondoso. Em apenas três meses, o ChatGPT superou a marca de 100 milhões de usuários. Em 2024, a dona do negócio alcançou 80 bilhões de dólares em valor de mercado, um salto extraordinário para uma empresa nascida há apenas uma década. A concorrência não ficou atrás. Logo o Google apresentou sua ferramenta — o Gemini —, com proposta semelhante. Agora, a bola da vez é a nova versão da IA desenvolvida pela Meta, a Llama 3.1, que promete adicionar recursos à tecnologia.
O lançamento vem causando burburinho porque a Meta é a primeira a apresentar um sistema com os códigos abertos, ou open source, como o modelo costuma ser conhecido. Antes, quem optava por um dos serviços de inteligência artificial não tinha acesso à maneira como essa ferramenta funcionava nem podia fazer alterações em seu modus operandi. Os criadores da Llama, que é voltada para empresas, destacam justamente a vantagem da customização. “Ela permite que o sistema seja adaptado de acordo com as necessidades da companhia, sem a exigência de compartilhamento de dados internos”, diz Anderson Rocha, diretor do Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A Meta anunciou que o modelo foi testado e aprovado cientificamente, tendo sido treinado a partir de uma enorme massa de dados. Com uma base de informações que bebe de diversas fontes e está sempre em expansão, a Llama 3.1 pretende acelerar a busca de soluções pelos usuários, especialmente diante de projetos e problemas mais complexos. “Com essa ferramenta, não se começa do zero, mas com 70% do trabalho feito pela Meta”, afirma Tiago José de Carvalho, diretor de tecnologia da Inovia, empresa voltada para a automatização de processos em negócios.
Outro ponto que conta a favor da ferramenta é a gratuidade. Nos sistemas concorrentes, como o ChatGPT, paga-se um valor a cada nova requisição de uso. “Estávamos restritos a um modelo financeiramente mais caro”, diz Rose Ramos, CEO e fundadora da Match IT, empresa focada em soluções corporativas. “Agora, ganhamos flexibilidade”, afirma a executiva, para quem a Llama deverá abocanhar boa fatia do mercado. Mesmo assim, os gastos de implantação são pesados. A começar pelo fato de que ela não roda em qualquer computador. Uma máquina apta a suportar a Llama 3.1 custa, em média, 90 000 dólares e a mão de obra especializada, 190 dólares a hora.
Da mesma forma que a chegada do ChatGPT mobilizou discussões e polêmicas sobre os limites e perigos da IA, a Llama também desperta preocupação. Ainda que seja louvado por alguns usuários, o modelo de código aberto está longe de ser um consenso. Para alguns especialistas, há ameaças em jogo. Quando uma empresa lança sua ferramenta, ela assume a responsabilidade pela maneira como ela é empregada e treinada. No sistema open source, usuários podem entender como o programa funciona e tentar modificá-lo com más intenções. Isso geraria brechas na segurança. Mas os especialistas também dizem que nenhum desses programas são totalmente seguros. Portanto, o caminho é o usuário escolher o que melhor se adapta à própria necessidade.
Há ainda um questionamento sobre as motivações por trás da decisão de Mark Zuckerberg, o CEO da Meta, de oferecer um sistema gratuito após gastar bilhões de dólares em seu desenvolvimento. Para os analistas do segmento, é provável que ele queira aproveitar a mão de obra da comunidade e usar os resultados para tornar sua própria ferramenta melhor. E, mais tarde, começar a cobrar por ela. No mundo da tecnologia, não há serviço grátis.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904