“As invenções são, sobretudo, resultado da teimosia”, disse o pai da aviação, Alberto Santos Dumont (1873-1932). Não poderia existir observação mais apropriada para definir a saga que resultou na criação do Atobá, o primeiro veículo aéreo não tripulado (Vant) de grande porte produzido no Brasil, e também o maior da América Latina. Em linguagem conhecida, trata-se de um drone, mas bem diferente dos pequenos objetos voadores comandados por controle remoto que ganharam fama nos últimos anos. O Atobá, batizado em referência a uma ave do litoral brasileiro, é um avião de vigilância que abre enormes possibilidades nas áreas civil, militar e comercial, e que surgiu graças à obstinação de funcionários da empresa Stella Tecnologia, de estudantes de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Estácio de Sá, além de técnicos do Ministério da Defesa.
A criação da aeronave foi turbulenta. “Achávamos que o projeto ficaria pronto em dois anos, mas durou cinco”, diz Gilberto Buffara Júnior, presidente da Stella. “Só não parei porque meu sócio estava empenhado e tive vergonha de desistir.” O sócio em questão é dom Eudes de Orleans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, que morreu no último dia 13 de agosto, vítima de insuficiência renal, aos 81 anos. Ele foi substituído pelo herdeiro, Eudes Filho, no projeto que custou 11,5 milhões de reais até agora, sem aporte público. Dez jovens estudantes da UFRJ e da Estácio de Sá foram fundamentais no processo, em um modelo de colaboração entre a iniciativa privada e a academia muito adotado em países inovadores como Estados Unidos e China. “O primeiro Atobá foi feito quase que de forma artesanal e agora estudamos formas de produzi-lo em série”, afirma Victor Filgueiras, de 28 anos, aluno do último período do curso de engenharia mecânica da UFRJ, que diz ter feito “um pouco de tudo” em quatro anos de trabalho.
O drone é movido a gasolina e operado remotamente de uma central de controle. Tem um sistema de montagem e desmontagem simples e está equipado com câmeras de transmissão em alta resolução, que captam inclusive radiação infravermelha. O plano agora é colocar o drone no mercado para realizar patrulha marítima e de fronteiras e ajudar o governo em um tema cada vez mais sensível: a proteção da Floresta Amazônica. “Por seu custo, fácil manutenção e alto rendimento, o Atobá é uma opção bem mais barata que o satélite que o (vice-presidente Hamilton) Mourão quer”, diz Buffara, citando o equipamento comprado pelo Ministério da Defesa por 145 milhões de reais.
A Stella diz ter iniciado conversas com a Força Aérea e com a Marinha, além de empresas petrolíferas e mineradoras. Segundo a empresa, a ideia é que, em dois anos, pelo menos oito aeronaves sejam fabricadas. O especialista em drones Allan Marinho ressalta que o caminho é promissor. “Países como Estados Unidos, Israel e China estão à frente no setor de equipamentos militares, mas é inegável que ter uma empresa brasileira nesse mercado é um enorme avanço.” Tomara que o Atobá alce voo e ajude o Brasil a decolar nessa área.
Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703