Os quatro anos de Donald Trump na Casa Branca podem até ter posto em suspeição as suas habilidades políticas, mas a reputação como empresário impetuoso e bem-sucedido manteve-se razoavelmente intacta. Por isso mesmo um anúncio feio por ele no início de 2021, logo após sair da Presidência, atiçou os admiradores mais ardentes e deixou rivais atônitos. Trump prometeu criar uma rede social para chamar de sua, o que certamente abalaria as estruturas de um mercado dominado pelas big techs. Para alguém como ele, com um histórico de feitos empresariais, parecia líquido e certo que o projeto vingaria. Há alguns dias, a Truth Social, o nome que batiza a tal rede, desencantou após longa expectativa. A verdade foi dolorosa para Trump: a Truth revelou-se um tremendo fiasco.
O ex-presidente americano fez fama e dinheiro como um ás do mercado imobiliário e da hotelaria, mas o ambiente de negócios das redes sociais era relativamente desconhecido para ele (embora tenha sido um usuário feroz). O desejo de peitar as plataformas tradicionais surgiu depois da invasão do Capitólio, um dos episódios mais vergonhosos da história recente dos Estados Unidos e que contou com o apoio imprudente de Trump. Assombrados pelas postagens incendiárias do então presidente, o Twitter decidiu bani-lo para sempre e o Facebook deu um prazo de dois anos para avaliar se o aceitará novamente. A título de vingança, motivação que, aponte-se, jamais deveria inspirar empresários de qualquer ramo de atividade, Trump prometeu fazer da Truth Social um espaço para a livre circulação de ideias, sem a “censura ideológica” dos concorrentes.
Os primeiros vislumbres da Truth Social mostraram que ela pode se tornar o maior erro empresarial da vida de Trump. Poucas horas após a estreia, a plataforma saiu do ar por treze horas e havia uma lista de espera formada por 300 000 pessoas, que aguardavam a aprovação dos administradores para começar a postar. Até os apoiadores de Trump fizeram piadas sobre o fracasso inicial. Jenna Ellis, ex-membro de sua equipe jurídica, publicou no Instagram uma foto que trazia o magnata com o dedo pairando sobre um laptop e a seguinte legenda: “Trump nos deixando entrar no Truth Social — um de cada vez”. Os que ingressaram no aplicativo relataram mensagens de erro ao fazer o cadastro. Outros enviaram o endereço de e-mail conforme solicitado e não receberam uma resposta de inscrição.
Mas o que afinal explica a avalanche de falhas técnicas em um projeto, em tese, tão estratégico para o seu proprietário? “Uma possibilidade razoável é que o projeto foi concebido de forma apressada”, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em tecnologia. “Não é da noite para o dia que se faz uma rede social com a pretensão de atrair milhões de usuários.” O especialista lembra ainda que a inépcia do lançamento sugere que os técnicos de Trump também não se preocuparam em preservar a privacidade de dados, o que pode trazer mais dor de cabeça ao ex-presidente e, claro, aos adeptos da nova rede. Há sérias dúvidas sobre o software usado pela Truth Social. Segundo a plataforma Mastodon, ele viola direitos autorais.
Depois de diversas falhas e atrasos na inscrição, aqueles que conseguiram navegar pela rede também se decepcionaram. Segundo um usuário — por enquanto, a plataforma está disponível apenas para iPhones nos Estados Unidos —, a Truth parece ser uma cópia ordinária do Twitter, exceto pelo fato de os tuítes serem chamados de “verdades” e os retuítes, de “reverdades”. Para piorar, Trump também enfrentará pesada concorrência. O público da direita radical invadiu redes sociais como Gettr e Parler, que conquistaram audiência cativa graças à liberdade para publicar qualquer coisa, inclusive discursos intolerantes. Nos primeiros dias após o lançamento, a Truth chegou a ser o app mais baixado na App Store americana. Agora, não está entre os 100 primeiros. Famoso pelo bordão “Você está demitido!”, Trump vem colecionando frustrações semelhantes às daqueles que eram eliminados do programa O Aprendiz.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781