Os dirigíveis estão voltando — agora com combustíveis seguros
Eles nunca deixaram de provocar fascínio. Retornam com evidentes preocupações ambientais
Foi dramático e espantoso — o equivalente, nos céus, ao naufrágio do Titanic ao colidir com um iceberg no Atlântico Norte. Em 6 de maio de 1937, quando se preparava para descer em Nova Jersey, nos Estados Unidos, vindo de Hamburgo, na Alemanha, o dirigível Hindenburg pegou fogo em trinta intermináveis segundos. A bordo estavam 97 pessoas — 61 tripulantes e 36 passageiros. Houve 36 mortes. O gás hidrogênio usado para mantê-lo no ar, altamente inflamável, acelerou a tragédia — descobriu-se, depois de longa investigação, que uma brusca manobra momentos antes do pouso causou o rompimento de um dos tanques de combustível e uma faísca dera início à ignição.
A cena, registrada em dezenas de filmes amadores e de equipes de cinejornais, marcou o fim de uma era, feita de travessias intercontinentais a bordo daquele gigante de 245 metros de comprimento que corria a 145 quilômetros por hora — e que chegou a vir ao Brasil, com escala no Recife, em sete oportunidades. Nunca mais se imaginou usar um zepelim para o transporte de pessoas. Ponto-final. Contudo, o fascínio pelo objeto voador não diminuiria, ao contrário. Celebrado pelo cinema, cantado em verso e prosa em livros e canções, ele sempre voou no imaginário popular. Eis que, agora, parece renascer em um mundo dedicado a reduzir as pegadas de carbono de jatos movidos a querosene.
A companhia inglesa Hybrid Air Vehicles (HAV) anunciou a aceleração da linha de montagem do Airlander 10 — um dirigível pensado inicialmente para transporte de cargas e controle de acidentes da natureza, como incêndios em florestas, mas que caminha também para levar gente. Ao contrário do Hindenburg, não será preenchido com hidrogênio, mas sim com gás hélio, que não inflama. Será revestido de material resistente, afeito a pousar em qualquer superfície, inclusive na água. Terá 92 metros de comprimento — 25% maior do que um Boeing 747 —, com capacidade para 853 passageiros e permanência no ar por cinco dias. Um contrato assinado com a espanhola Air Nostrum prevê a entrega de dez unidades até 2026. O fio condutor, como não poderia deixar de ser, é a sustentabilidade ambiental. “Aeronaves híbridas podem desempenhar um papel relevante na transição para formas mais limpas de aviação”, diz Kwasi Kwarteng, diretor de negócios da HAV. Estima-se que a economia de combustível chegue a 90% em relação aos jatos convencionais.
Atento aos humores do mundo, no avesso do descaso com o planeta, Sergey Brin, cofundador do Google, pôs dinheiro do próprio bolso para desenvolver o Pathfinder 1, dirigível movido por baterias elétricas feitas de hidrogênio, mais leves e potencialmente mais duradouras e mais baratas do que as de íon de lítio, usadas atualmente. A expectativa é que tenha 200 metros de comprimento, o que o instalaria no posto de maior aeronave do mundo. O preço da inovação de Brin: 150 milhões de dólares. Um dos engenheiros envolvidos no projeto, Igor Pasternak, acredita que o impacto do zepelim de Brin poderá ser tão grande no mercado de transporte de cargas quanto a internet foi para a comunicação. “Caminhões são apenas tão bons quanto as estradas que percorrem, trens só podem ir aonde você tem trilhos e aviões precisam de aeroportos. Dirigíveis podem se locomover de A a Z sem precisar parar em nenhum lugar”, disse.
Será necessário, por óbvio, autorização de uso comercial, o que pode vir a atrapalhar os cronogramas do Airlander 10 e do Pathfinder 1. As dificuldades de aprovação, contudo, não freiam voos mais altos. A OceanSky Cruises, com sede na Suécia, lançou um serviço de turismo original para o Polo Norte. Os tripulantes embarcariam em um dirigível de luxo, especialmente adaptado, para travessias de até quinze horas. Segundo a empresa, o serviço deve começar em 2024. A passagem pode chegar ao equivalente a 913 000 reais. O charme dos objetos voadores ovalados parece eterno.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810