Respiração mecânica: o impressionante tubarão robótico da China
Aquário exibe máquina que emula à perfeição o comportamento do animal verdadeiro. A ideia é chamar atenção para questões ambientais
Steven Spielberg morreria de inveja. Com quase 8 metros de tamanho e mais de meia tonelada, seu rudimentar tubarão branco mecânico (eram três, na verdade) criado para “interpretar” o elusivo monstrengo do filme Tubarão (1975), conhecido como Bruce, não chega aos pés de um novo exemplar: um robô de última geração que encanta os visitantes do Haichang Ocean Park, em Xangai. Antes do novo confinamento decretado em razão da Covid-19, o espetacular tubarão-baleia eletrônico se tornou uma das principais atrações do parque aquático. O.k., ele é um pouco menor do que o antecessor americano do cinema: tem 4,7 metros, pesa 350 quilos e pode se mover a 42 metros por minuto. Mas foi todo construído com tecnologia de ponta — é alimentado por uma bateria de lítio e, com suas barbatanas metálicas, pode nadar, flutuar e mergulhar como um animal real.
Criado por pesquisadores da Corporação de Ciência e Indústria Aeroespacial da China, uma empresa estatal de defesa, o primeiro tubarão-baleia biônico do mundo emula à perfeição o comportamento lento da espécie. Ele pode ser programado e controlado remotamente e é muito difícil diferenciá-lo de um espécime real. Mas, evidentemente, tem suas limitações. Só é capaz de atingir 10 metros de profundidade e consegue funcionar apenas até dez horas. “Para robôs submarinos, uma característica importante é o método de propulsão, ou seja, a maneira como eles se movem”, diz Fang Xuelin, cientista do Laboratório de Tecnologia de Propulsão Submarina da empresa. “Por exemplo, os robôs submarinos tradicionais são movidos por hélices ou jatos de bomba, enquanto os biônicos imitam os movimentos de criaturas marinhas.”
Por que uma empresa especializada no desenvolvimento de naves espaciais, veículos de lançamento e sistemas de mísseis para o programa espacial chinês se dedica a projetos tão prosaicos como um peixe-robô? De acordo com a versão oficial, há alguns anos a fábrica decidiu aproveitar sua experiência em sistemas de propulsão no cosmo para desenvolver os animais aquáticos, de olho no lucrativo potencial desse mercado. O tubarão-baleia do parque Haichang é o maior já construído pelos engenheiros chineses. Ele nasceu do desenvolvimento de outras espécies biônicas menores, como modelos educacionais para escolas.
Não é a primeira vez, vale sublinhar, que avanços semelhantes se tornam públicos. Em 2018, a Coreia do Sul deu mostras de sua especialização no campo da robótica submarina. Durante os Jogos de Inverno de PyeongChang, o país espalhou pela Vila Olímpica 85 robôs, com o objetivo de dar um toque de tecnologia ao evento e exibir suas realizações nesse campo para o mundo. Entre as criaturas biônicas que promoveu estavam peixes-robôs inspirados nas carpas douradas que eram capazes de nadar em profundidade de até 5 metros, dotados de baterias com autonomia de até trinta horas. Na época, eram apenas uma distração para maravilhar os atletas e espectadores, mas já havia a intenção de dotá-los de câmeras e sensores para verificar a qualidade da água e outras funções práticas.
É o que os chineses pretendem fazer com suas criaturas robóticas subaquáticas, além de, claro, usá-las com o nobre propósito de chamar a atenção para a preservação das espécies de peixes ameaçadas pela poluição das águas. A estatal chinesa planeja desenvolver outros tipos de animais biônicos, o que inclui alguns mamíferos extintos para exibição em parques e escolas. Também quer desenvolver aplicações para ajudar em salvamentos subaquáticos e na prospecção mineral. “Nossos robôs servem a três propósitos: atuar em aquários para diversão, difundir conhecimento sobre o mar e animais aquáticos entre os jovens e realizar tarefas científicas como levantamentos hidrológicos, fotografia subaquática e inspeção ambiental”, diz Xuelin.
O próximo passo é pôr essas pequenas maravilhas em produção de larga escala, e espalhá-las por aquários em diversas partes do mundo. Enquanto isso não acontece, cabe olhar com atenção para a crescente poluição de mares e oceanos, hábitat das espécies vivas, que sofrem com o desleixo da humanidade. As famílias mecânicas servem de grito de alerta.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781