O surgimento das primeiras impressoras tridimensionais, em meados dos anos 80, levou a grandes transformações na produção industrial. Com a tecnologia, tornou-se possível — e mais rápido — criar objetos reais a partir de modelos digitais. Diversos setores aproveitaram a inovação. No ramo de calçados, empresas como a Nike usaram os equipamentos para conceber novos tênis. Na área de alimentos, experimentos mostraram ser viável fabricar massas e bolachas através do sistema. Na medicina, as impressoras permitiram avanços no desenvolvimento de próteses. Pois a nova fronteira do 3D é a construção civil. Um movimento iniciado nos Estados Unidos há pelo menos três anos, que se espalhou pela Europa, tratou de desenhar máquinas gigantescas capazes de literalmente imprimir paredes e vigas de sustentação de imóveis comerciais e residenciais. O que parecia ser apenas um projeto futurista começou, enfim, a tomar forma. As casas impressas em 3D saíram do universo restrito dos protótipos e agora são uma realidade.
No mês passado, a startup Mighty Buildings, gestada há apenas um ano em São Francisco, nos Estados Unidos, anunciou o primeiro bairro residencial do mundo que será 100% construído por impressoras 3D. O condomínio de casas para a classe média ocupará uma área de 2 hectares na cidade de Rancho Mirage, no sul da Califórnia. Cada um dos quinze imóveis terá 134 metros quadrados, distribuídos em três quartos, dois banheiros, deque e piscina. O preço inicial é baixo para os padrões americanos: 595 000 dólares (aproximadamente 3,5 milhões de reais), ou 45% mais barato do que residências equivalentes na mesma região. Além do valor, outra vantagem do projeto é a velocidade de execução. A Mighty Buildings garante que as casas poderão ser construídas em 24 horas. Se isso ocorrer, a indústria da construção estará prestes a viver uma revolução sem precedentes.
Em tese, o término da obra em tempo recorde é possível graças ao sistema de trabalho da startup, que utiliza peças fabricadas antecipadamente. As paredes, junções e vigas já vêm prontas, bastando a realização da montagem no local. O que também garante a agilidade do processo é o tipo de material usado pela empresa. Em vez do tradicional concreto, mais difícil de ser aplicado pelos equipamentos 3D, a startup adota uma espécie de pedra sintética, que endurece quase instantaneamente após ser impressa. Isso, diz a Mighty Buildings, elimina o tempo de secagem, acelerando todo o procedimento. Além disso, o componente sintético é mais leve que o concreto, ao mesmo tempo que resiste à ação do fogo, a infiltrações de água e a ataques de cupins. Segundo a companhia, inovações como essas reduzem em até 95% o pessoal necessário para colocar a residência de pé.
O mundo estaria, portanto, prestes a encontrar uma solução definitiva para a falta de moradia adequada, problema que aflige, segundo a ONG Habitat for Humanity, 20% da população mundial? Não é tão simples assim. Para o professor César Ricardo Simoni, especialista em geografia urbana da Universidade de São Paulo, a questão vai além da mera construção de casas. “Não se pode depositar a expectativa de resolução de um problema estrutural, como é a habitação, exclusivamente na melhoria das condições técnicas de produção”, diz ele. “Em países como o Brasil, a questão da moradia está mais ligada à capacidade do Estado de elaborar políticas públicas eficientes.” Para o pesquisador, é preciso pensar também na própria configuração das cidades. Enquanto isso, as casas impressas em três dimensões abrem novas portas e janelas para o futuro da habitação.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733