Sucesso dos anos 1990, o bichinho virtual Tamagotchi renasce
O brinquedo ganha sofisticados mecanismos de interação. Vai colar ou é apenas um passeio nostálgico?
Há muito tempo, numa galáxia nem tão distante assim, nos idos dos anos 1990, sem smartphones, sem redes sociais, em que os videogames só rodavam em aparelhos de televisão, um bichinho eletrônico japonês teve o dom de mexer com corações e mentes de crianças e pais. O Tamagotchi, criado em 1996 pelo fabricante Bandai, em formato de chaveiro, era sedento de doses regulares de alimentos, higiene e carinho — tudo oferecido eletronicamente, é claro. O dono da brincadeira sofria com o novo amiguinho. Não podia deixá-lo faminto, tampouco exagerar na dieta. Uns sobreviviam, outros não, e era um drama familiar quando o aparelhinho apagava e fiu… Formavam-se filas para comprá-los, de Tóquio a São Paulo. Foram mais de 80 milhões de unidades vendidas, dos quais 20 milhões apenas no primeiro ano. Havia mais interesse pela pequena invenção do que por jogos clássicos de mesa, como o Banco Imobiliário, sucesso perene, sem fronteiras.
Mas o Tamagotchi, ah, o Tamagotchi, ninguém podia com ele. O tempo, contudo, atrelado a extraordinários avanços tecnológicos que culminariam com a explosão da internet, tratou de tirá-lo de cena, e o que era inovador adormeceu. A novidade, agora: o Tamagotchi está de volta, com pompa e circunstância, adaptado ao mundo moderno. A seu nome foram atreladas três letras — Pix. É o Tamagotchi Pix, com lançamento mundial previsto para este mês nos Estados Unidos (no Brasil deverá chegar em 2022) e preço a partir de 60 dólares. Não há, ao contrário do que se poderia imaginar, conexão com a web (decisão tomada para proteger os usuários ainda muito pequenos). A grande diferença está nos mecanismos de convivência, exponencialmente mais elaborados. O aparelho permite, por exemplo, tirar fotos do mundo real e apresentá-las ao bichinho, oferece mais de 100 variedades de animais para chamar de seu (no original eram quatro) e pode ser conectado com outros modelos por um tipo de QR code, fazendo com que as mascotes interajam entre si. Eles ainda têm atributos inéditos, como seguir uma outra profissão. Antes, quando diziam adeus, era o fim.
Nos modelos contemporâneos, um algoritmo minucioso fará com que a peça renasça espetacularmente, de acordo com os gostos e ações anteriores do feliz proprietário. O Tamagotchi restaurado anda de mãos dadas com outros lançamentos colados a saltos de sofisticação industrial. Os bonequinhos Roybi são afeitos a fazer reconhecimento facial e detectar a emoção das pessoas. O Moxie, se bem tratado, devolve suas emoções em igual medida, com risos e carinho, fidelíssimo amigo de humanos que adoram uma traquitana.
O relançamento do Tamagotchi é retrato de uma tendência: o retorno de produtos originados nas décadas de 70, 80 e 90, como aconteceu com os imortais Cubo Mágico e Genius (veja no quadro). Há uma motivação nostálgica por trás dessa onda. Uma pesquisa de mercado realizada pela consultoria Mintel indica que metade dos adultos entrevistados gosta de comprar produtos que eles mesmos tiveram na infância para presentear os filhos. Vai funcionar? Só o tempo dirá. É possível que, apesar dos remendos, não dê certo, e a história se repita como farsa.
Mas, quando começarem a circular, uma questão parecerá se impôr: qual será o papel emocional dos eletrônicos? “O excesso de dedicação exigida pode não ser saudável”, diz a psicóloga Ana Lídia Zerbinatti, da Escola da Inteligência, instituto voltado para os cuidados emocionais na infância. “As crianças precisam de um tempo razoável para conseguir se concentrar e concluir tarefas, e esse tipo de brinquedo faz o oposto, chamando a atenção a todo momento.” É um ponto, sim. Mas, como os celulares e tablets estão aí, firmes e fortes, já roubando a concentração infantil, o Tamagotchi tem chance de uma longa vida nesta segunda encarnação.
Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743