TikTok substitui o Google como ferramenta de busca entre os mais jovens
Tendência mostra que nenhuma empresa de tecnologia está livre da influência da marca chinesa
De tempos em tempos, uma nova rede social desponta como um foguete, conquista milhões de fãs, ameaça o reinado de rivais mais robustos e, quase na mesma velocidade em que surgiu, desaparece miseravelmente. Foi assim com MSN, MySpace e Orkut, para citar casos ainda frescos na memória. Mas há muitos outros — nomes como Digg, Fotolog e Vine sumiram do mapa num piscar de olhos. Nos últimos anos, o exemplo mais rumoroso de sucesso é o aplicativo chinês TikTok. Ele nasceu em 2016 e seduziu de imediato os jovens com vídeos curtos e coreografias aleatórias, as famosas dancinhas. Muita gente torceu o nariz, principalmente os pais da garotada que se contorcia na plataforma, e tantos outros consideraram o TikTok uma moda passageira. Desta vez, erraram feio. O app está longe de seguir o roteiro de fracassos do passado. Muito pelo contrário: com 775 milhões de usuários ativos e 3 bilhões de downloads, é a terceira rede social mais espalhada pelo mundo. Isso, porém, já é conhecido. Há agora uma novidade ainda mais espantosa. Os nascidos depois dos anos 2000 — a geração Z, portanto — passaram a usar o TikTok como ferramenta de busca.
A competição pela atenção máxima dos usuários de redes sociais acirrou-se nos últimos anos, mas ela sempre esteve circunscrita às plataformas que permitem a interação entre pessoas. O que diferencia o TikTok agora é o fato de avançar sobre um território que pertence ao Google, que detém cerca de 90% do mercado mundial de buscadores. A revelação foi feita, meio sem querer, por Prabhakar Raghavan, executivo da área de conhecimento e informação do gigante de tecnologia, em evento promovido pela revista americana Fortune. Ele contou que estudos feitos pela própria empresa descobriram que 40% dos jovens não vão à ferramenta de busca do Google quando procuram, por exemplo, um lugar para almoçar. Na verdade, eles recorrem ao TikTok.
Parece algo inusitado, mas uma rápida vasculhada no TikTok confirma que a plataforma funciona para esse propósito. Basta digitar, digamos, passeios perto de uma determinada região para uma enxurrada de vídeos sobre o assunto aparecer na timeline. Dúvidas sobre saúde, receitas gastronômicas, informações sobre pets, dicas sobre como trocar pneu de carro — está tudo ali, em clipes sempre rápidos e diretos. Para especialistas, esse é o motivo que seduz a molecada. Os resultados da busca sempre surgem na forma de vídeos, e não textos, e a geração Z habituou-se a ver mais e ler menos. Eis aqui o grande defeito do buscador. Em geral, os resultados da busca são superficiais. Como esmiuçar uma nova descoberta astronômica em um videozinho de um minuto ou explicar os métodos anticoncepcionais em um período tão curto?
O modelo de vídeos feitos de forma simples, até toscos, reforça a autenticidade que muitos jovens associam à rede chinesa. “O TikTok surgiu em oposição à estética de outras redes, e vem lidando bem com uma reivindicação por parte dos usuários de outras plataformas por conteúdos mais genuínos”, afirma Issaaf Karhawi, pesquisadora em comunicação digital da USP. O funcionamento do aplicativo é diferente do de outras redes sociais. No Facebook, o algoritmo é criado a partir de uma intrincada rede de contatos com familiares, amigos, colegas de trabalho e outros conhecidos que os usuários vão lentamente construindo. É o mesmo princípio do Twitter, que cresceu graças ao envolvimento de celebridades, especialistas e outras fontes de informação capazes de atrair a atenção dos usuários.
Entretenimento é o foco. Quem abre o TikTok recebe conteúdos de desconhecidos, impulsionados simplesmente pela capacidade de viralização. É uma ferramenta que atrai a atenção de forma mais primitiva, e o algoritmo é treinado para compreender as preferências de cada um com surpreendente rapidez e eficiência. Por isso funciona tanto. O crescimento acelerado da rede chinesa fez com que o mercado se movimentasse para tentar replicar o sucesso do rival. O Instagram e o Facebook incorporaram um modelo semelhante de vídeos curtos, o Reels, e o Instagram chegou a anunciar que o feed, onde o usuário vê os novos conteúdos, seria transformado para priorizar os vídeos. No fim, voltou atrás.
A intenção de desafiar o Google e outras redes está na gênese da ByteDance, dona do TikTok. Seu fundador, Zhang Yiming, afirmou na ocasião do lançamento do app que o objetivo era criar uma empresa sem fronteiras, exatamente como fez o Google. Yiming tem sido bem-sucedido na empreitada. “O principal objetivo do TikTok é se tornar um super-app capaz de tocar em todos os aspectos de nossa vida e assumir o monopólio de nosso tempo”, afirmou a VEJA o jornalista britânico Chris Stokel-Walker, autor de TikTok Boom: um Aplicativo Viciante e a Corrida Chinesa pelo Domínio das Redes Sociais (Editora Intrínseca).
Os próximos passos rumo à dominação já foram dados. Nos últimos dias, a empresa chinesa anunciou o TikTok Now, uma ferramenta para capturar fotos e vídeos sem filtro, com um formato semelhante ao de outra rede social que vem ganhando espaço entre os jovens, a BeReal. O objetivo é reforçar a imagem de autenticidade. Além disso, o TikTok também sinalizou que criará uma plataforma de streaming de música para competir com os gigantes do setor, como o Spotify, e vem fazendo testes com jogos on-line.
A crescente ameaça a outras redes tornou o TikTok alvo da ira dos maiores empreendedores do setor de tecnologia, especialmente Mark Zuckerberg. Em outubro de 2019, o fundador do Facebook participou de um jantar privado com o então presidente Donald Trump, e argumentou que as empresas chinesas são uma ameaça aos Estados Unidos. De acordo com o The Wall Street Journal, Zuckerberg repetiu a afirmação em encontros com senadores bem na época em que o TikTok esteve sob escrutínio das agências de segurança americanas, quando quase foi banido.
A revolta faz sentido especialmente quando se olha para o dinheiro investido nas diferentes plataformas. Um relatório da Insider Intelligence, especialista em pesquisas de mercado, mostra que em 2022 o TikTok deverá superar o Facebook em receitas geradas por influenciadores. Serão 775 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos, contra 739 milhões no Facebook. Até 2024, a rede chinesa ultrapassará o YouTube e ficará atrás apenas do Instagram. “No TikTok, os influenciadores vendem entretenimento”, afirma o publicitário Rafael Coca, cofundador da Spark, agência focada em marketing de influência. “Ninguém fica vendo likes ou seguidores, mas sim a capacidade de cada um de engajar os usuários.”
A velocidade dos novos tempos tem feito com que os ciclos de dominação das empresas de tecnologia se tornem cada vez mais curtos. Quando surgiu, o YouTube representou um caminho rápido para o sucesso, com produtores de conteúdo virando celebridades da noite para o dia. A perda da relevância, porém, tem sido igualmente veloz. “Por isso seria fácil imaginar que o sucesso do TikTok teria vida curta”, afirma Chris Stokel-Walker. “Mas não há nenhum concorrente à vista”. Talvez a empresa que ocupará o lugar do TikTok sequer tenha nascido.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808