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Ministros disputam poder e elegem chefe da Casa Civil como alvo principal

Rede de intrigas e conspirações no entorno do presidente revelam um claro sinal de desordem do governo Lula

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 10h35 - Publicado em 19 Maio 2023, 06h00

Amigos de longa data de Lula dizem que o presidente está cansado e sem disposição para lidar com os assuntos do dia a dia da administração. Desde o início de seu terceiro mandato, o petista demonstra entusiasmo com poucas iniciativas, como espicaçar adversários e recuperar a imagem internacional do Brasil, reduzido à condição de pária na gestão de Jair Bolsonaro. Essa postura de certo distanciamento — surpreendente para um político reconhecidamente centralizador — tem contribuído para uma série de problemas. Um deles é a desorganização na articulação política do governo e a dificuldade para a formação de uma base de apoio no Congresso. Outro é o florescimento de uma rede de intrigas e conspirações no entorno do presidente, que mesmo para os padrões do PT, partido acostumado ao fogo amigo, chama atenção. Com apenas cinco meses de governo, atores influentes no Palácio do Planalto, na Câmara dos Deputados e na máquina partidária petista já pregam a demissão do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Motivo: o capitão do time, o ocupante do cargo mais poderoso da Esplanada, é convenientemente responsabilizado por quase tudo o que deu errado até agora.

SEM TIME - Rui Costa: responsabilizado por quase tudo o que deu errado até agora
SEM TIME - Rui Costa: responsabilizado por quase tudo o que deu errado até agora (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images)

Longe dos holofotes, a artilharia em Rui Costa cresceu tanto que levou o presidente a defendê-lo publicamente. Num evento, Lula disse que o ministro toma conta do governo, numa daquelas demonstrações de força pensadas para acudir quem está em clara situação de fragilidade. Foi uma intervenção providencial, já que Rui Costa tem poucos aliados e muitos desafetos em Brasília. Governador da Bahia por dois mandatos, o ministro tem perfil técnico (uma Dilma de calças, na definição de Lula) e assumiu a função prometendo tirar projetos do papel, aumentar os investimentos públicos e privados na área de infraestrutura e, como determinou o chefe, ressuscitar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O “Rui correria”, apelido que ganhou na Bahia e faz questão de propagar, pisaria no acelerador na administração federal e, se bem-sucedido no cumprimento de suas missões, poderia até ser considerado uma alternativa para suceder a Lula, conforme análise de alguns petistas estrelados. Em pouco tempo, no entanto, o sonho de ascender no futuro à Presidência deu lugar a um desafio mais imediato: a luta para se manter no ministério, travada com diferentes adversários e em múltiplas frentes de batalha.

SEM LASTRO - Alexandre Padilha: a Casa Civil ainda não cumpriu os acordos feitos pelo ministro
SEM LASTRO - Alexandre Padilha: a Casa Civil ainda não cumpriu os acordos feitos pelo ministro (André Violatti/Ato Press/Ag. O Globo/.)

De uma forma geral, os críticos de Rui Costa alegam que ele não têm trânsito com políticos, não sabe atuar no Congresso e age na Casa Civil como se ainda fosse governador, tratorando colegas de governo e demonstrando má vontade para o diálogo, inclusive com deputados e senadores, dos quais Lula depende para aprovar projetos prioritários. “Colocá-lo na Casa Civil foi um erro e é parte importante dos problemas enfrentados por Lula”, sentencia um dos quadros mais influentes da história do PT. Os problemas são notórios e estouraram no colo, entre outros, do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Responsável pela negociação com o Legislativo, Padilha encaminhou acordos que depois não foram cumpridos por Rui Costa. Na Praça dos Três Poderes, credita-se ao chefe da Casa Civil a lentidão na liberação de recursos indicados por parlamentares e na distribuição de 400 cargos federais de segundo e terceiro escalões espalhados pelos estados. A maior derrota do governo até agora no Legislativo, a derrubada pela Câmara de decretos que mudavam o marco do saneamento básico, também caiu na conta de Rui Costa, que teria tentado modificar as regras movido por um interesse meramente pessoal e sem negociar com as partes envolvidas.

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MARANHÃO - Dino: disputa regional está no epicentro do embate entre o ministro da Justiça e o das Comunicações
MARANHÃO - Dino: disputa regional está no epicentro do embate entre o ministro da Justiça e o das Comunicações (Lula Marques/Agência Brasil)

O cartel de embates do ministro é expressivo. Ele bateu de frente com a deputada Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, que também sonha com a Presidência, sobre indicações para o Conselho de Administração da Petrobras. Integrantes do secretariado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerado dentro do PT o principal nome para suceder a Lula, acusam o chefe da Casa Civil de minar o trabalho da equipe econômica. No Congresso, a situação é ainda pior. Além da miríade parlamentar sedenta por benesses oficiais, Rui Costa tem contra ele o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento, que é adversário político do ministro na Bahia e aliado do presidente da Casa, Arthur Lira. Costa vetou a indicação de Nascimento para o ministério, tentou tirar um afilhado político do deputado de um posto de chefia na Codevasf e, incendiando de vez o paiol, declarou que uma regra do modelo de privatização da Eletrobras tem “cheiro ruim de falta de moralidade”. A privatização da empresa, como se sabe, foi aprovada pelo Congresso e teve como relator justamente Elmar Nascimento, que agora articula uma tentativa de convocar Costa para se explicar no plenário da Câmara.

DE UM LADO - Teixeira: o ministro do Desenvolvimento Agrário apoia o MST
DE UM LADO - Teixeira: o ministro do Desenvolvimento Agrário apoia o MST (Raul Pereira/MDA/.)

Mesmo no PT são poucos os que pensam em defender o chefe da Casa Civil. Líder do governo no Senado, Jaques Wagner é padrinho político de Rui Costa. Quando o senador governou a Bahia, o agora ministro foi seu secretário. Depois, Wagner fez do afilhado o sucessor dele no comando estadual. A parceria estremeceu depois que o chefe da Casa Civil emplacou a esposa dele, a enfermeira Aline Peixoto, no cargo de conselheira do Tribunal de Contas da Bahia. Os termos usados por Wagner para classificar a operação variaram de nepotismo a imoralidade. Desde então, sobram arestas entre os dois. Já houve até um jantar na casa de Angelo Coronel, outro senador eleito pela Bahia, com o objetivo de viabilizar a paz entre os antigos companheiros, mas não deu certo. O “correria” está praticamente sozinho em Brasília. Seus críticos lembram com incontida satisfação que ele, ao contrário de outros ministros, não tem mandato parlamentar. Ou seja: se for demitido, volta para casa. Até aqui, Lula, que é quem nomeia e demite, não parece disposto a abrir mão de Rui Costa.

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FOGO AMIGO - Juscelino: certeza de que o colega está por trás da artilharia pesada disparada contra ele
FOGO AMIGO - Juscelino: certeza de que o colega está por trás da artilharia pesada disparada contra ele (Cléverson Oliveira/Mcom/.)

Na gestão de Lula 3, questões regionais também contribuem para as intrigas. Numa tentativa de reproduzir no governo a frente ampla que garantiu a sua eleição, o presidente distribuiu ministérios para diferentes partidos, inclusive de centro. Em razão disso, adversários locais se tornaram — por dever de ofício — colegas na Esplanada. É o caso dos ministros Flávio Dino (Justiça) e Juscelino Filho (Comunicações), que estão em lados opostos na arena política no estado do Maranhão. Alvo de denúncias diversas, como o uso de verba pública em benefício de uma propriedade de sua família, Juscelino Filho não tem dúvida de que Dino está por trás da artilharia disparada contra ele. “Há uma verdadeira perseguição local”, afirma um aliado do chefe das Comunicações. O entorno do titular da Justiça rechaça a suspeita e ironiza o cai não cai que enreda Juscelino Filho há meses, ressaltando que ele não manda no ministério, que seria controlado de fato pelo senador Davi Alcolumbre, responsável por sua indicação ao cargo. Divergências ideológicas também fomentam a discórdia, como fica evidente nos duelos entre os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT).

DO OUTRO - Fávaro: o ministro da Agricultura condenou as invasões de terra
DO OUTRO - Fávaro: o ministro da Agricultura condenou as invasões de terra (Guilherme Martimon/MAPA/.)

Ambos querem a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) sob seu guarda-chuva. Hoje, por decisão de Lula, que poderá ser ratificada ou não pelos parlamentares, a Conab está subordinada ao Desenvolvimento Agrário. Os dois ministros também divergem sobre a gravidade das invasões de terra promovidas pelo MST. Fávaro comparou a ação dos sem terra aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro: “Invasão de terra não pode ser concebível e é tão grave quanto invadir o Congresso Nacional”, declarou publicamente. Diante da mesma plateia, Teixeira rechaçou a tese: “Não há correlação entre os fatos”. Independentemente de sua coloração política, governos costumam ser palco de embates internos. Lula sempre gostou de estimular certa rivalidade entre seus auxiliares para depois arbitrar a contenda. Foi assim em seus dois primeiros mandatos. No terceiro, com o presidente menos entusiasmado com a rotina e a engrenagem administrativa, as intrigas começaram e ganharam tração bem cedo. Cansado ou não, o árbitro precisa tomar conta do jogo.

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Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842

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