Fósforo é vida: a descoberta reveladora da Nasa em Saturno
Investigações mostram que uma pequena lua do planeta tem os seis elementos químicos necessários para abrigar organismos vitais
Desde que Galileu Galilei apontou um telescópio para Saturno, em 1610, o segundo maior planeta do sistema solar tem sido fonte inesgotável de surpresas e descobertas para cientistas e astrônomos. Gigante gasoso, ele é composto principalmente de hidrogênio e hélio, está envolto pelos celebrados anéis e orbita circundado por 146 luas. Em uma delas, a Encélado, foram encontradas recentemente evidências de fósforo, um dos elementos essenciais para a ocorrência de vida. Outros ingredientes fundamentais — carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre — já haviam sido revelados por pesquisas anteriores.
É um achado promissor para as pesquisas em outros planetas e alimento para uma pergunta humana, demasiadamente humana: haveria seres como nós em outras porções do espaço? Não se sabe, evidentemente, mas os indícios de possibilidade da existência de outros microrganismos são fascinantes demais para serem desdenhados. “O fósforo está presente em moléculas relevantes como o DNA e os fosfolipídios que formam a parede de nossas células”, diz Fábio Rodrigues, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.
A descoberta em Encélado é resultado de persistência e um pouco de sorte, como acontece nas grandes descobertas. A lua com nome de gigante mitológico é composta por um núcleo rochoso, além de um imenso oceano com 10 quilômetros de profundidade e uma espessa superfície congelada. No polo sul do satélite, gêiseres explodem de maneira constante, emitindo jatos de água, atalho para os estudos sobre sua composição. Em 2008, a sonda Cassini, da Nasa, topou com esse fenômeno e coletou amostras. Os dados foram divulgados agora, finalmente. “Conhecemos o oceano de Encélado melhor que qualquer outro reservatório extraterrestre”, disse a VEJA Frank Postberg, pesquisador da Universidade Livre de Berlim e principal autor de um artigo sobre o assunto publicado na revista científica Nature.
O anúncio da presença de fósforo nas cercanias de Saturno despertou curiosidade e espanto, pois a substância química foi encontrada em quantidades 100 vezes maiores do que nos oceanos terrestres. E mais: estava na forma de fosfato de sódio, o que o torna mais fácil de ser absorvido por seres vivos. “Agora sabemos o segredo de Encélado”, diz Postberg.
O achado é um exemplo do sucesso de uma nova modalidade de investigação científica, que prioriza as luas, e não apenas os planetas do sistema solar. É um modo de ampliar as tentativas, estendendo as possibilidades de bons resultados. “Estamos numa época de quebra de paradigmas”, diz Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, pesquisador de exoplanetas e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Sabe-se que os satélites naturais têm muitas formações de água — e a água, aprendemos na escola, é caldo para brotar algo que chegue a algum tipo de metabolismo vivo. Falta, contudo, muita estrada para andar. A mera presença de todos os seis elementos não é o suficiente para garantir que haja vida.
A ciência, em belo enigma, ainda não sabe dizer qual energia vital é capaz de transformar química em biologia. Nos próximos anos, com a construção de sondas e telescópios cada vez mais potentes, é provável que surjam respostas tão extasiantes quanto assustadoras. Nessa trilha, o fósforo encontrado em Encélado será para sempre um capítulo relevante.
A solidão vermelha
No cinema, nos livros de ficção científica, na poesia, muito antes de usarmos a expressão alienígena para tratar de seres que habitariam outros planetas, nos habituamos a chamá-los de “marcianos”. O fascínio por Marte não cessa. Na semana passada, uma imagem divulgada pela Nasa rodou a Terra ao revelar a solidão do chão vermelho — sem nenhum indício de qualquer tipo de vida, mesmo microscópica. A imagem — uma montagem de duas fotografias, uma diurna e outra ao entardecer, depois colorizadas — foi feita pelo robô Curiosity, em missão por ali desde 2012.
A vista panorâmica mostra o Marker Band Valley. No centro está o Monte Sharp, a colina de 5 quilômetros de altura que a sonda vem subindo há sete anos, incansável. À direita, está a escarpada Rafael Navarro, batizada em homenagem a um cientista que morreu em 2021. A Nasa chamou o registro de “cartão-postal”. É realmente bonito. Alimenta o deslumbramento pelo planeta rochoso e seu passado. Outras expedições chegaram a encontrar matéria orgânica em Marte, o que indicaria algum tipo de vida há mais de 3,5 bilhões de anos.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847