A escalada de tensão dos ataques do governo Netanyahu a palestinos
Ação em campo de refugiados na Cisjordânia surpreende por sua escala, elevando a crise a um patamar que não se via há duas décadas
Vivendo há décadas sob um regime de autonomia limitada (bastante limitada) entregue às mãos da Autoridade Palestina, a Cisjordânia, área ocupada por Israel onde vivem quase 3 milhões de palestinos, passou os últimos anos em situação de relativa calma — a calma possível nas circunstâncias. A rotina de ataques pontuais, contidos sem grande alarde, contrastava com o caldeirão de agressões na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, onde frequentes lançamentos de foguetes contra cidades israelenses são rebatidos com fulminantes ataques aéreos das temidas Forças de Defesa de Israel. Foi, portanto, uma surpresa quando Exército e Força Aérea baixaram sobre Jenin, cidade que aloja um campo com 17 000 refugiados palestinos, em dois ataques com uma semana de intervalo. No segundo e mais intenso, drones explodiram prédios na segunda-feira 3, abrindo caminho para a ação de 2 000 soldados, veículos blindados e atiradores nos telhados. A ação durou dois dias, deixando o saldo de um israelense e treze palestinos mortos, sendo ao menos cinco terroristas, segundo as autoridades de Israel. Não ocorria nada parecido havia pelo menos duas décadas.
O objetivo da operação foi “impedir que o campo de Jenin se transforme em refúgio de terroristas e destruir infraestrutura militar”, disse o porta-voz das Forças Armadas, Daniel Hagari. A investida incluiu escavadeiras que arrancaram o calçamento e destruíram ruas, uma alegada busca de armas escondidas que resultou na ruptura de canos e fiação e deixou boa parte da população sem água e eletricidade. Situada no Norte da Cisjordânia, Jenin é uma cidade sem lei e seu campo de refugiados sabidamente abriga grupos armados. A questão que ficou no ar é: por que agora? Todas as tentativas de resposta apontam para a coalizão de ultradireita chefiada por Benjamin Netanyahu que se instalou no poder no fim de 2022 e é integrada por líderes dos assentamentos fincados por judeus radicais em pontos da Cisjordânia para marcar sua presença e fazer da absorção do território por Israel um fato consumado.
Desde o começo do ano, os choques entre colonos e palestinos se multiplicaram. O número de israelenses mortos aumentou, bem como a violência na resposta: a cada vítima, bandos de colonos invadem cidades palestinas, quebrando o que encontram pela frente. Pouco depois do assassinato de quatro israelenses no assentamento de Eli, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, virulento líder colono de passado mais do que controverso, proclamou: “Temos de colonizar a terra de Israel e lançar uma campanha militar, explodir prédios, matar terroristas”. Ele discursava em uma das bases ilegais espalhadas por colonos com tácita aprovação do governo. Na terça-feira 4, a reação aos ataques em Jenin veio na forma de um atentado capitaneado por militantes palestinos em Tel Aviv, onde um carro avançou contra civis, ferindo oito deles.
A operação em Jenin se encaixa na estratégia usual de Netanyahu de mobilizar a população a seu favor invocando a segurança nacional — e ele anda precisando de apoio popular. O movimento contra sua proposta de reforma do Judiciário, que leva há meses multidões às ruas, segue forte — o último protesto, com 2 000 pessoas, emperrou o funcionamento do Aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv. Sob pressão do público, Netanyahu removeu do projeto o artigo que dava ao Parlamento o direito de reverter decisões da Suprema Corte por maioria simples. Sob pressão dos radicais de sua coalizão, ele segue em frente com o debate da reforma no Legislativo — que pode, inclusive, beneficiá-lo pessoalmente, no processo de que é alvo por corrupção. Havia muito não se via um verão tão quente em Israel — e não só por causa do aquecimento global.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849