Vinhos brancos têm aumento expressivo de interesse no Brasil e no mundo
A preferência é por rótulos que ofereçam frescor e potencial de guarda
Lá atrás, onde os olhos não alcançam e a memória do paladar já se perdeu com o tempo, os brasileiros gostavam mesmo é de um vinho branco doce e barato, ruinzinho, o alemão Liebfraumilch. Aquela garrafa azul um tanto bizarra predominava nas prateleiras dos supermercados nos anos 1970 e 1980, como se nada mais houvesse. E não havia. A abertura das importações, nos anos 1990, alimentou antes o gosto pelos tintos, sobretudo franceses e italianos, até que, agora — eis a interessante novidade —, os brancos despontassem com qualidade. Inexistem dados compilados do mercado, mas importadores e produtores são unânimes em apontar a tendência de expansão do consumo da bebida feita, fundamentalmente, a partir de uvas claras.
Os executivos da vinícola Arboleda, do Chile, anotam o sucesso de variedades como a chardonnay e a sauvignon blanc, admiradas no Brasil. A argentina Luigi Bosca exporta uma gama de blends brancos. Para ambas as vinícolas, o crescimento foi tardio — elas imaginavam que o clima mais quente seria atalho natural para apreciar o frescor da bebida. Na Europa e nos EUA, os brancos crescem e aparecem especialmente nos meses de verão. Porém, em um primeiro momento, não foi o que aconteceu por aqui.
Demorou, demorou até que despontasse o novo momento. Ele foi alimentado, em parte, por uma modalidade particular, o vinho verde, denominação de origem controlada do norte de Portugal, produzido no território entre os rios Douro e Minho. “Há uma percepção de que o vinho verde é sempre leve, fresco, e ligeiramente frisante”, afirma Marta Caldas, embaixadora do Soalheiro, produtor de vinhos verdes conhecido pela alta qualidade de seus rótulos. “Mas esse é apenas um dos perfis do vinho verde. E o consumidor brasileiro já percebe essa diferença e busca alternativas.” Hoje, o Brasil é um dos três principais mercados desse tipo de vinho no mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Canadá, segundo a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV). Embora rótulos mais singelos e arejados sejam, de fato, os mais buscados, há espaço para tipos mais elegantes (e mais caros, claro), com potencial de guarda, muito deles feitos com a badalada uva alvarinho.
O fenômeno é global. Segundo a Nielsen, empresa especializada em dados do mercado, os brancos têm segurado a onda, mais do que os tintos. No ano passado, houve uma queda mundial de vendas de vinhos em 5,2% — os brancos, porém, tiveram redução mais modesta, de apenas 3,4%. Hoje, eles representam 29% do pacote, e a fatia continua aumentando, para espanto de quem está há muito tempo na brincadeira. Na região de Rioja, na Espanha, a Bodegas López de Heredia se tornou lendária pelos tintos que envelhecem por muitos anos antes de chegarem às taças. Mas sempre produziu um branco que, no início, teve baixa procura. “Tínhamos todas as safras antigas disponíveis em nossa adega, mas já somem rapidamente”, diz Yolanda Varona, diretora de vendas da vinícola, que no Brasil chega pela importadora Mistral. Vale relembrar uma frase do escritor James Joyce (1882-1941), amante das boas coisas da vida: “O vinho branco é como a eletricidade. O vinho tinto tem a aparência e o sabor de um bife liquefeito”.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856