Não é difícil compreender por que guloseimas fazem com que tantas pessoas salivem e como pode ser doloroso eliminar sabores adocicados, frituras e outras delícias do gênero para seguir uma dieta equilibrada. O intrigante mesmo é ver a facilidade de algumas pessoas para abrir mão dos pratos calóricos e demonstrar real prazer diante de um prato com vegetais cozidos no vapor. A resposta para esse enigma tem potencial para trazer alívio aos que sofrem para resistir às tentações calóricas e pouco saudáveis e surge como ferramenta na luta contra a balança. Nós até podemos ser o que comemos, mas em boa medida comemos por ordem dos nossos genes. Vêm deles uma decisiva influência na forma como cada um decide se vai de hambúrguer ou de salada.
A informação abre mais uma perspectiva para a formulação de tratamentos assertivos na briga contra a balança. Ela é resultado de uma análise com cerca de 162 000 pessoas que tiveram o gosto para 139 alimentos avaliados por pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia. O objetivo era realizar a mais abrangente investigação sobre o tema. Eles cumpriram a missão e encontraram 255 variantes genéticas relacionadas às preferências alimentares. A pesquisa nasceu da necessidade de compreender o que leva uma pessoa a gostar de determinado alimento para, a partir daí, indicar abordagens realmente eficazes. O entendimento do ponto de vista genético pareceu o mais natural para os pesquisadores, que haviam se debruçado, como tantos outros, na formulação de dietas que levavam em conta os benefícios dos alimentos, porém muitas vezes fadadas ao fracasso por não atenderem às necessidades do paladar.
A questão é que, por mais que a população conheça os riscos da alimentação rica em gorduras, carne vermelha em excesso e comidas industrializadas, o consumo desses produtos permanece alto, refletindo diretamente no aumento da obesidade. A Organização Mundial da Saúde estima que 1 bilhão de pessoas no mundo são obesas e, até 2025, 167 milhões de indivíduos, entre crianças e adultos, terão algum impacto na saúde por estar acima do peso. Os mais comuns são aumento de risco para infarto e acidente vascular cerebral e para alguns tipos de câncer.
A pesquisa usou dados de participantes do Biobanco do Reino Unido, que reúne 500 000 voluntários, sobre preferências alimentares e composição genética. Os estudiosos chegaram a três grupos de paladares que estão sob forte influência dos genes. O “altamente palatável” se caracteriza pela busca de alimentos como sorvetes, salgadinhos, pães, bolos e outras delícias. O que foi denominado “baixo calórico” tem por trás material genético que estimula o consumo do cardápio dos sonhos dos nutricionistas: grelhados, frutas e sementes. O último é o “adquirido”, cuja predominância genética incentiva a experimentação de sabores diferentes, criando apreciadores de café sem açúcar, queijos fortes, bebidas alcoólicas e comidas amargas, de chocolates a vegetais.
A avaliação permitiu o entendimento de pontos complexos e até inesperados. A vontade de comer vegetais, por exemplo, não está somente sob o controle dos genes por trás do grupo dos alimentos com baixas calorias. Enquanto as saladas integram a categoria, os que têm sabores acentuados fazem parte das preferências adquiridas. Os gostos, na verdade, podem transpassar os três grupos em alguns indivíduos. “Temos todos os tipos de pessoas, desde aquelas que gostam dos três tipos de alimentos até quem prefere os específicos”, explica a VEJA Nicola Pirastu, um dos autores do estudo. O pesquisador está otimista em relação às possibilidades trazidas pelo trabalho. “Podemos avançar na criação de alimentos do time dos palatáveis que sejam saudáveis, de dietas mais personalizadas e, quem sabe, de medicamentos para alterar o gosto alimentar”, planeja. Que cheguem logo os novos instrumentos para tornar menos árdua a batalha contra o sobrepeso e a obesidade.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804