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Ode ao tomate

Alimento nosso de cada dia, o fruto é um pop latino

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h00 - Publicado em 13 Maio 2022, 06h00
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  • Fico triste em ver o tomate no papel de grande vilão da alta dos preços. O tomate deveria estar sempre nas páginas da imprensa dedicadas à gastronomia, não em meio a assuntos econômicos. Sabemos que o preço subiu devido a uma combinação perversa de fatores climáticos e redução da área de plantio, mas não quero entrar no mérito da questão. Interessa-me o tomate enquanto ingrediente versátil na cozinha, protagonista de molhos sofisticados e simples saladas, coadjuvante valoroso de uma infinidade de receitas, presença enriquecedora em sopas tropicais e ratatouilles provençais.

    Sou suspeita para falar do tomate. Adoro o fruto — e o meu marido, Luiz, não fica atrás. Comemos tomates todos os dias, de todas as formas, a começar pelo café da manhã. Café da manhã? Sim, experimente ralar um tomate sobre a torrada, ou levá-lo à grelha fatiado. Se eu disser que não vivemos sem tomate, você vai achar que estou exagerando. Bem, só um pouquinho, talvez, mas aqui em casa o tomate será sempre tratado com a reverência devida, como o tomate nosso de cada dia. Estamos na boa companhia de Pablo Neruda, que dedicou uma ode ao tomate. Com água na boca, ele o visualiza repousado em travessas, como dois hemisférios entreabertos, sobre os quais adiciona o azeite, “filho essencial da oliveira”; a pimenta, que lhe ressalta a fragrância; e o sal, que salienta seu magnetismo.

    “Seu gosto tem origem numa reação química — entre enzimas nas células e moléculas fora delas”

    O poeta tem razão. Tomates adquirem sabor próprio depois de cortados, em duas metades, como descreve, ou em outras formas. A explicação é que seu gosto tem origem numa reação química — entre enzimas dentro das células e moléculas fora delas — que só ocorre quando a fruta é partida e ela entra em contato com o oxigênio. Quanto maior o corte, mais saboroso ele fica. Aprendi isso há vinte anos num seminário em Nice, na França, com Hervé This, cientista que inspirou toda uma geração de cozinheiros moleculares, como Ferran Adrià, mestre de todos eles. E nunca mais esqueci.

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    Coma tomates. Assados, grelhados, em fatias, regados no azeite, só com uma pitada de sal, no molho do macarrão, na cobertura da pizza. Coma tomates sem moderação. E sem culpa também — em cada 100 gramas de tomate há apenas 14 calorias. Como se tudo isso não bastasse, o tomate ainda faz muito bem à saúde. O fruto — sim, fruto, não legume — é rico em licopeno, um antioxidante natural com grande capacidade de controlar a ação dos radicais livres em nosso organismo. O efeito sobre a pele é surpreendente, produz mais viço do que hidratantes. Mais importante, o antioxidante também fortalece o sistema imunológico e tem função auxiliar na prevenção de alguns tipos de câncer. Ao comer um tomate também estamos ingerindo vitaminas, potássio e cálcio. É mais que um fruto — é uma farmácia.

    O tomate é tão mediterrâneo que muita gente acha que é oriundo da costa ensolarada da Europa. Mas não, o tomate é latino-americano. Foi para lá séculos atrás levado pelos colonizadores em contato com as civilizações asteca e maia. Hoje o tomate é universal, e muito brasileiro. Por aqui seu cultivo achou as condições perfeitas para se desenvolver. Aqui, como diz o poeta, o tomate “nos dá o presente / de sua cor de fogo / e a totalidade de seu frescor”.

    Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789

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