Como muita gente, acompanhei pela TV o discurso do presidente eleito na noite de domingo, 30 de outubro deste ano, assim que foi confirmada a sua vitória na eleição presidencial. Independente de simpatias partidárias ou de convicções ideológicas, é importante conhecer as prioridades de nossos representantes políticos. Um pequeno trecho da mensagem lida pelo vencedor do pleito me chamou a atenção: o compromisso de garantir a todos os brasileiros as “calorias e proteínas” necessárias para que ninguém mais passe fome no país. De maneira inesperada, as proteínas eram alçadas naquele momento a protagonistas da política de alimentação do próximo governo.
A escolha de palavras — e de nutriente — me pareceu surpreendente. Afinal, os alimentos geralmente associados ao combate à fome são ricos em carboidratos, e não em proteínas. É o caso do pão, símbolo tradicional da alimentação, ao qual se atribui a capacidade de saciar necessidades do corpo e do espírito. Ao repartir o pão, nos diz a tradição cristã, nos aproximamos de Deus e de quem recebe o pedaço ofertado. É o caso também do arroz com feijão, combinação rica em carboidratos que confere unidade à culinária nacional, da feijoada ao baião de dois.
“Há quem dê às proteínas o epíteto de ‘tijolos da vida’, uma vez que são fundamentais da infância à velhice”
Há no fundo razões econômicas e biológicas para que os alimentos com abundância de carboidratos sejam os representantes por excelência da nutrição. É que são em geral mais baratos e mais disponíveis. São também de digestão mais fácil, convertendo-se rapidamente nas calorias necessárias ao consumo energético imediato de cada pessoa. As proteínas, em contrapartida, além de serem abundantes em alimentos relativamente mais caros, como a carne, são uma espécie de investimento de longo prazo. Estão mais do lado da poupança do que do consumo.
Há quem dê às proteínas o epíteto de “tijolos da vida”. Precisamos delas para construir, manter e reparar boa parte dos tecidos do organismo, em particular músculos e ossos. Quem quer ficar forte, ganhar massa muscular, precisa consumi-las em grande quantidade. As crianças, em fase de crescimento, também. E não podemos nos esquecer dos idosos: à medida que envelhecemos, é preciso aumentar o consumo de proteínas, já que a sua absorção pelo corpo se torna mais difícil com o passar da idade.
Como a proteína precisa de mais tempo para ser digerida, ela permite conciliar a sensação de saciedade e um consumo relativamente baixo de calorias. Não espanta que algumas dietas, como a do dr. Atkins, que ganhou popularidade nos anos 1970, preconizem o corte de alimentos ricos em carboidratos, como pães e massas, e o consumo de carnes, sobretudo. Mas é preciso cuidado. A ingestão excessiva de proteínas também pode ser prejudicial à saúde. Entre os malefícios desse tipo de dieta destaca-se o aumento do risco de doenças cardiovasculares. Que o diga o próprio dr. Atkins, que aos 72 anos, depois de uma vida à base de proteínas e gorduras, sofreu um infarto. Claro que esse tipo de mazela não aflige os beneficiários do louvável programa de combate à pobreza do futuro governo. Nossos problemas, infelizmente, ainda são de carência, e não de excesso.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817