Darwin e seu bolo de Natal
O naturalista inglês que contestou a origem divina da humanidade festejava o nascimento de Jesus Cristo
Embora tenha difundido a teoria que considera a seleção natural como principal fator da evolução dos seres vivos, contrariando a crença judaico-cristã de que eles foram criados ao mesmo tempo por Deus, o naturalista e inglês Charles Robert Darwin (1809-1882) festejava o Natal com a família. Para completar o paradoxo, declarava-se agnóstico, ou seja, não acreditava em Deus e só admitia os conhecimentos adquiridos pela razão, jamais pela fé.
Na mansão rural dos Darwin, situada no Condado de Kent, próximo de Londres, havia até um bolo de frutas para celebrar a festa do nascimento de Jesus, que o naturalista mais importante do século 19 adorava saborear. Tanto que pedia o doce em outras ocasiões, a fim de comê-lo em fatias no chá da tarde.
Ele era casado com a prima Emma Wedgwood, mulher rica que mantinha doze empregados em Kent, mas se revelou uma dona de casa atenta e ocupada. Os Darwin eram netos do milionário Josiah Wedgwood, fundador da indústria de cerâmica de luxo homônima, até hoje uma marca famosa. Ao casarem, receberam um dote que lhes assegurou o sustento pela vida inteira.
O caderno das receitas domésticas de Emma foi transformado em livro na década passada. Contém 55 receitas e se intitula “Mrs. Charles Darwin’s Recipe Book” (Glitterati Incorporated, Nova York, 2008). Entre as testadas e adaptadas pelas pesquisadoras Dusha Bateson e Janeway Weslie, há uma redigida de próprio punho por Darwin, na qual ensina a cozinhar arroz.
Encontra-se também o bolo de frutas predileto do naturalista, junto com um pudim de maçãs, um suflê de queijo, um ragu de carneiro e um creme de groselha. São amostras preciosas do cardápio diário da aristocracia britânica da época.
Darwin expôs sua teoria revolucionária na obra “A Origem das Espécies”, de 1859, um dos mais desafiantes tratados biológicos já escritos, com o qual ganhou ao mesmo tempo admiradores e inimigos no mundo inteiro. A Bíblia diz que Deus fez a Terra e o céu, a luz e as trevas, a água e o fogo, os animais e as plantas, coroando essas obras com a criação do homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1, 26-27).
Darwin colocou o ensinamento divino de cabeça para baixo. Sustentou que as espécies animais formam uma escala contínua e não foram criadas ao mesmo tempo. As mais simples, segundo ele, surgiram primeiro e originaram gradativamente as mais complexas.
O naturalista publicou suas conclusões em “A Origem das Espécies” depois de uma viagem à volta do mundo, entre 1831 e 1836, a bordo de um barco da Armada Britânica. Esteve no Brasil, ou seja, na Bahia e no Rio de Janeiro; na Patagônia, Terra do Fogo, Ilhas Galápagos, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Peru, Ilhas Keeling, Maurício e outros lugares.
Os companheiros do périplo intercontinental testemunharam sua dedicação à pesquisa e ressaltaram a inteligência brilhante, assim como o paladar excêntrico. Durante a viagem, o naturalista provou em assados ou cozidos novas espécies de pássaros, tartarugas, tatus, pumas e inclusive um roedor desconhecido, descrevendo-o como “a melhor carne que já havia saboreado”.
Os biógrafos registram que Darwin recebeu formação religiosa na infância, obviamente anglicana, e manteve a fé até a idade adulta. O pai, Robert Darwin, médico lembrado por ter descoberto que pequenos movimentos oculares são feitos mesmo quando as pessoas tentam mantê-los fixos – um avanço notável para a oftalmologia na época –, gostaria de ver o filho seguindo sua carreira. Mas Darwin abandonou os estudos médicos por falta de vocação.
Então, o pai o encaminhou à vida religiosa, matriculando-o no Christ Church College, da Universidade de Cambridge, a 80 quilômetros de Londres, a fim de estudar Teologia. Darwin também cansou dos estudos sobre o conhecimento da divindade, seus atributos e relação com o mundo e os homens. Na verdade, havia começado a se interessar por história natural.
Ele e Emma, uma mulher educada, inteligente e espirituosa, viveram juntos durante 43 anos. O casal se dava muito bem e teve dez filhos, três dos quais faleceram prematuramente. A morte da segunda filha, Annie Elizabeth, em 1851, aos dez anos de idade, fez Darwin deixar de acreditar em Deus. A garota enfrentou longo e doloroso padecimento.
Darwin temeu ser a mesma enfermidade misteriosa da qual sofreu a maior parte da vida e que pensava ter pegado no Brasil. Como as orações da família e dos amigos não conseguissem recuperar a saúde de Annie Elizabeth, ele passou a desacreditar na benevolência divina.
Que se saiba, Emma continuou anglicana e portanto com fé em Deus. Mas era por ser mãe extremosa que se destacava no clã. A cozinha não constituía seu forte, porém Darwin lhe pedia para acompanhar a preparação do seu bolo de frutas. Exigia-o “úmido e fofo”. Devotado à mulher, o autor de “A Origem das Espécies” comparava Emma com “o ouro refinado duas vezes”.
BOLO DA FAMÍLIA DARWIN – Rende 6 porções
INGREDIENTES
- 225g de manteiga amolecida em temperatura ambiente
- 225 g de açúcar mascavo
- 2 ovos
- 75 ml de whisky
- 2 colheres (sopa) de sumo de laranja
- 200 g de frutas cristalizadas em cubinhos
- 100g de uvas passas
- 280 g de farinha de trigo com fermento
- 3 colheres (chá) de bicarbonato de sódio
- Manteiga para untar a fôrma
DECORAÇÃO
- Frutas cristalizadas
PREPARO
1. Na batedeira, bata a manteiga com o açúcar durante alguns minutos, obtendo um creme.
2. Junte o whisky, o sumo de laranja e continue a bater. Adicione os ovos, a farinha com o fermento, o bicarbonato de sódio e continue batendo. Retire da batedeira e misture as frutas cristalizadas e as uvas passas.
3. Coloque a massa em uma fôrma de bolo redonda, de preferência furada no meio, untada com manteiga.
4. Leve ao forno moderado, preaquecido a 160ºC, durante 40 a 45 minutos, até que a massa se desprenda da lateral da fôrma.
5. Desenforme frio e distribua por cima as frutas cristalizadas da decoração.