A maior contribuição dos napolitanos e seus vizinhos na região da Campânia à cozinha que os imigrantes italianos introduziram, adaptaram ou inventaram em São Paulo, foi a pizza. Eles se instalaram sobretudo nos bairros da Zona Leste, no Brás, Belenzinho e Mooca. Muitos vieram atraídos por empregos nas indústrias do compatriota Francesco Antônio Maria Matarazzo, que começou como no Brasil mascate, depois foi empresário e morreu na condição de homem mais rico do país; ou, então, para trabalhar no comércio paulistano em momento de acelerado desenvolvimento. No início, moravam mal, dividindo casas modestas ou apinhados em cortiços.
Para reforçar o minguado orçamento doméstico, faziam e vendiam pizza. A redonda, como a batizaram afetuosamente, tinha massa grossa, borda alta e cobertura pouco variada. Habitualmente levava molho de tomate cru e lâminas de mozzarella; ou filezinhos de alici com ou sem queijo. Também servia de alimento da família ou dos amigos nas noites de domingo. A pizza era comercializada nas ruas em tamanho pequeno e chamada de brotinho, ou grande e dividida em pedaços.
Quem ocupava uma casa, podia assar a redonda no forno a lenha, construído no pátio; os menos abonados ou que moravam em cortiços se utilizavam dos fornos de pão das inúmeras padarias de portugueses espalhadas pelo Brás, Belenzinho e Mooca. Pagavam aos donos com dinheiro, pizza ou parceria. Homens adultos e jovens acomodavam a redonda em um tambor de cobre, que media cerca de 30 centímetros de diâmetro por 90 de altura, e a saíam oferecendo na rua.
Na parte inferior da engenhoca ardia carvão em brasa, posteriormente substituído por uma espiriteira, que mantinha o alimento quentinho. Ficava dependurada em tiras de couro cru que pendiam dos ombros do ambulante. O tambor aquecido se inspirou em um similar, de Nápoles. Espalhava aroma apetitoso por onde era levado.
Os ambulantes ítalo-paulistanos circulavam nas ruas dos seus bairros e afluíam nos dias de jogos aos campos de futebol das várzeas do Glicério, no Tamanduateí, como o Clube Atlético Juventus, situado no coração da Mooca e fundado em 1924. Ofereciam um alimento precioso que nasceu em Nápoles, porém de origem ancestral. A pizza descende da picea dos romanos, que depois virou pitta e, finalmente, recebeu o nome atual. Eles a assimilaram dos gregos, que preparavam e assavam massas com farinha de trigo, arroz ou grão-de-bico. Muito antes, os babilônios e egípcios já faziam o mesmo.
Tanto quanto se sabe, a primeira pizzaria de São Paulo foi a Santa Genoveva, aberta em 1910 na Avenida Rangel Pestana, esquina Rua Monsenhor Anacleto, no Brás. Pertencia a Carmino Corvino, o D. Carminiello, um italiano de Salerno, a 56 quilômetros de Nápoles, chegado a São Paulo em 1897. Como outros pioneiros da pizza na cidade, começou a trabalhar na rua, oferecendo a pizza assada no forno de barro doméstico. Quando juntou algum dinheiro, D. Carminiello inaugurou a Santa Genoveva.
Sua pizzaria, que fechou em 1940, virou ponto de reunião dos imigrantes italianos em São Paulo, sobretudo dos barulhentos napolitanos. O dono era o mais ruidoso do grupo. Além de preparar cinco tipos de pizza – mozzarella, napolitana, calabresa, alice e mezzo a mezzo (alice e mozzarella) –, Dom Carminiello divertia os presentes cantando com voz de trovão canções populares da terra natal. Segundo o historiador Geraldo Sesso Júnior, no livro “Retalhos da Velha São Paulo” (Câmara Municipal de SP, 1983), uma das suas interpretações favoritas era Marecchiare, sucesso mundial do tenor lírico italiano Tito Schipa, igualmemte cidadão meridional:
https://www.youtube.com/watch?v=06NkoEGxyrc
Embora a atual pizza à paulistana se pareça cada vez mais com a napolitana, ela começou diferente, como já dissemos, tendo massa grossa, de consistência firme, ligeiramente resistente ao corte, e com bordas altas. Hoje, há de todos os tipos na cidade. Apareceram inclusive casas que preparam redondas à moda de Nápoles, usando produtos importados, certificadas e controladas por organismos italianos como a Associazione Verace Pizza Napoletana. Antigamente, a primeira diferença da nossa redonda para a italiana se encontrava na farinha.
Na Itália, usa-se tradicionalmente a 00, classificada assim por ser mais refinada; no Brasil, amassa-se sobretudo a do tipo 1. Entre nós, o tempo de fermentação era menor, demorava poucas horas. Resultado: a pizza paulistana resultava mais básica, se podemos empregar essa palavra. Já a napolitana sempre teve massa fininha e uniforme, com a borda um pouco mais alta, leveza e consistência flexível. Tanto que pode ser dobrada em quatro com a mão e saboreada al libretto ou a portafoglio, e servida em uma folha de papel.
Vale ainda ressaltar a diferença de tamanho. As leis de Nápoles mandam a pizza ter o diâmetro máximo de 35 centímetros, a espessura no centro do disco de uns 5 milímetros e a borda fica em torno de 2 centímetros. Em outras palavras, o diâmetro a situa entre as brasileiras família (40 centímetros) e média (30 centímetros). Sempre individual, cada pessoa come a sua pizza, não a recebendo dividida. Além disso, a cobertura napolitana se apresenta equilibrada. Nada dos excessos de ingredientes das nossas, nas quais o molho de tomate e o queijo muitas vezes chegam à mesa quase trasbordando.
A vigilante e disciplinadora Associazione Verace Pizza Napoletana admite em princípio quatro tipos de redondas: marinara: tomate, azeite de oliva, orégano e alho; margherita: tomate, azeite de oliva, queijo mozzarella e manjericão; calzone, a pizza recheada: queijo, ricotta, queijo mozzarella especial, azeite de oliva e salame; formaggio e pomodoro: tomate, azeite de oliva e queijo parmesão ralado. No Brasil, não existem padrões. Inventa-se coberturas de todos os tipos, fiéis aos princípios da origem ou heterodoxas, algumas inclusive doces. Duas invenções ítalo-paulistanas, porém, chegaram para ficar.
A primeira é a pizza à portuguesa, terceira mais pedida em São Paulo conforme levantamentos recentes, abaixo apenas da mozzarella e da calabresa. Impossível saber o local onde nasceu. Entretanto, segundo o grande restaurateur Massimo Ferrari, testemunha ocular de parte da saga da cozinha ítalo-paulistana, deve ter sido entre as décadas de 1950 e 60. Leva molho de tomate, queijo mozzarella, presunto cozido, cebola em rodelas, ovo cozido e azeitona preta ou verde e orégano; alguns acrescentam linguiça calabresa e pimentão; em certos lugares do Brasil, incorpora palmito, champignon de Paris e grãos de milho, sem perder o nome.
Pode ter surgido nas padarias dos portugueses que cediam os fornos para os italianos assarem a pizza amassada e levedada em casa. Ou, então, a cobertura foi colocada em época de escassez dos ingredientes napolitanos. Também é possível que os portugueses, aprendendo a fazer a redonda com os italianos, tenham criado uma variação ao seu gosto. Cebola, queijo, presunto, ovo e azeitona são predileções do povo lá da terrinha. Alguns enxergam na pizza à portuguesa as cores da bandeira lusitana.
Quem for a Portugal, porém, e resolver pedi-la, vai quebrar a cara, pois não a encontrará no país. Na Itália, nem se fala. O fato é que os portugueses inventaram a pizza de balcão, vendida em porções: pedaços de massa fina coroados com uma lâmina de queijo e uma rodela de tomate. “Ao lado do Cine Art-Palácio, famosa sala de cinema em São Paulo, situada na Av. São João, 419, havia um bar-padaria que a comercializava aos milhões”, recorda Massimo Ferrari. “Estou falando das décadas de 1950 e 60”.
A segunda receita paulistana que se converteu em sucesso comercial tem autoria provável. É a pizza frango com Catupiry, à base do mais famoso requeijão brasileiro, produzido desde 1911. Não por acaso, seu nome deriva do tupi-guarani antigo katupyryb, que significa muito bom. Mas a combinação de frango e queijo horroriza os fundamentalistas italianos. Entretanto, milhares de brasileiros a apreciam, a ponto de ser a quarta pizza mais pedida na capital paulista, conforme os levantamentos citados. Conta-se que na década de 1970 um vendedor da Catupiry sugeriu ao dono de uma pizzaria de São Paulo usar seu requeijão em uma redonda.
Curiosa é também a tradição, ultimamente quebrada por vários estabelecimentos de São Paulo, de servir pizza apenas à noite. Gerardo Landulfo, delegado da Accademia Italiana della Cucina e membro da sua Delegazione di San Paolo, observa tratar-se de prática unicamente paulistana. “A tradição parece ter começado com os primeiros imigrantes, que exerciam outras atividades e à noite faziam pizza para conseguir uma renda extra”. Para completar, criou-se no Brasil outra exclusividade: o recheio da borda da redonda (cornicione, em italiano), com requeijão ou queijo cheddar.
A pizza se difundiu no Brasil a partir da década de 1950, alastrando-se do rio Oiapoque, na fronteira do Amapá com o departamento ultramar francês da Guiana, ao arroio Chuí, no Rio Grande do Sul, fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Mas foi no seu berço paulistano que continuou a se multiplicar em número colossal. Criou-se até o Dia da Pizza, festejado a dez de julho desde 1985. Foi instituído pelo então coordenador de Turismo na Secretaria de Esporte e Turismo do estado de São Paulo, Caio Luiz Cibella de Carvalho. Doutor em ciências da comunicação, na área de políticas públicas para o desenvolvimento do turismo, ele se impressionou com a repercussão do concurso que elegeu as melhores receitas de mozzarella e margherita. Para coroar o evento, escolheu a data de seu encerramento para a comemoração nos anos seguintes.
De acordo com o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo, atualmente são consumidas na Grande São Paulo aproximadamente 43 milhões de pizzas por mês, contando as entregues em casa. Há 6 mil pizzarias na capital, lanchonetes e padarias onde é consumida atualmente. Até uma popularíssima expressão de São Paulo, que se espalhou no Brasil, tem a ver com a redonda. Trata-se de “terminar em pizza”, empregada para designar litígios ou escândalos que acabam sem estremecimentos mútuos.
Tem autor renomado: o cronista esportivo Milton Peruzzi, o Polenta, do jornal, rádio e “TV Gazeta”, torcedor apaixonado pelo Palmeiras. Em determinado ano da década de 1960, os dirigentes do seu clube do coração, reunidos na sede, torpedeavam-se em mais uma crise. A torcida palmeirense aguardava ansiosa o desfecho. A certa altura, movidos pelos clamores do estômago, foram juntos comer pizza na vizinhança, onde finalmente se entenderam. Milton Peruzzi estava lá e deu o furo por telefone. No dia seguinte, esta era a manchete de “A Gazeta Esportiva”: “Crise do Palmeiras terminou em pizza”. Com a frase, Milton Peruzzi criou uma famosa metonímia (figura de linguagem que designa uma coisa através de palavra com a qual ela possui relação de causa). É tamanha a importância da redonda na gastronomia ítalo-paulistana que poderia reivindicar um degrau no pódio da história da pizza.
MASSA BÁSICA DE PIZZA
RENDE 7 DISCOS
INGREDIENTES
MASSA
.1kg de farinha de trigo tipo “00”
.550ml de água (aproximadamente)
.20g de sal
.3g de fermento biológico seco
.20ml de azeite extravirgem de oliva
.10g de açúcar
.Farinha para polvilhar a superfície de trabalho
Obs: use o azeite e o açúcar somente se for assar a pizza em forno convencional. Para forno a lenha do tipo napolitano bastam os primeiros 4 ingredientes.
PREPARO
FORMAÇÃO DA MASSA
1.Em uma vasilha grande, coloque a água, metade da farinha e os demais ingredientes. Misture bem, com a ajuda de um garfo.
2.O restante da farinha deve ser colocado gradualmente, até que a massa comece a se desprender dos dedos e da vasilha.
3.Retire toda a massa da vasilha e coloque-a sobre uma superfície lisa, preferencialmente de granito ou mármore, já enfarinhada.
4.Sove bem a massa. Se ainda estiver pegajosa, acrescente um pouco mais de farinha e continue, até resultar numa massa lisa, sedosa, macia e elástica. Essa operação dura cerca de 30 minutos.
LEVEDAÇÃO DA MASSA
5.Devolva a massa à vasilha, cubra-a com filme plástico e deixe-a repousar em ambiente com temperatura entre 18 e 25°C ou, se estiver muito calor, na parte inferior da geladeira, por cerca de 4 a 6 horas.
6.Duas horas antes de começar a fazer os discos da pizza, retire a massa levedada da geladeira. Em seguida, separe-a em porções de 200g e dê a cada uma das porções o formato de uma pequena bola (panetto).
7.Coloque as bolas (panetti) em caixas, bandejas ou recipientes plásticos grandes com tampa e deixe levedar novamente, em temperatura ambiente, cobertas com um pano de prato de algodão, por cerca de 2 horas. Passado esse tempo, a massa estará pronta para ser utilizada.
ELABORAÇÃO DOS DISCOS DE PIZZA
8. Com um movimento do centro para a parte externa e com a pressão da parte interna das duas mãos, faça discos de massa com cerca de 35cm cada um, de modo que a borda não seja superior a 1 ou 2 cm, ficando um pouco mais alta que o centro e formando assim a borda (cornicione).
MOLHO DE TOMATE PARA PIZZA
RENDE O SUFICIENTE PARA A COBERTURA DE 7 DISCOS DE PIZZA
INGREDIENTES
.1kg de tomates (preferencialmente do tipo italiano, de formato alongado, maduros, porém firmes)
.10g de sal
PREPARO
1.Para retirar a casca dos tomates, faça um corte superficial, em cruz, com uma faca afiada, na ponta de cada um deles.
2.Em uma panela com água fervente, coloque os tomates, deixando-os de molho por cerca de 30 segundos. Retire-os e transfira-os imediatamente para uma vasilha com água e muito gelo, interrompendo, assim, o cozimento. Quando esfriarem, a casca poderá ser retirada com facilidade, bastando puxá-la, delicadamente, com a ponta dos dedos.
3. Descarte então o pedúnculo, com o auxílio de uma faca de ponta. Corte os tomates ao meio, descartando também as sementes. Bata os tomates aos poucos e rapidamente no liquidificador.
4. O molho não deve ficar fluido, mas em pedaços grosseiramente desfeitos. Para terminar, coloque o sal e misture bem.
FINALIZAÇÃO DA PIZZA
5.Espalhe o molho de tomate sobre os discos de pizza, cuidando para que a borda fique sem molho. Asse em forno a lenha, muito quente (temperatura entre 400° a 450°C), por aproximadamente 1 minuto e meio, até a borda começar a dourar. Gire-a para que asse por igual.
6.Retire e sirva imediatamente.
Receita de Alexandre Bronzatto, neto de napolitanos e pizzaiolo amador em São Paulo.