Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Minissérie ‘Julia’ celebra a mulher que levou culinária para as massas

Na década de 60, ela ensinou os americanos a se aventurar na gastronomia (entre muitas outras coisas). A atração da HBO demonstra o arrojo que isso exigiu

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 12h19 - Publicado em 2 abr 2022, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Em 1948, a californiana Julia Child, ex-pesquisadora da agência de Inteligência que deu origem à CIA, mudou-se para Paris com o marido, o diplomata Paul Child, e descobriu o que só gastronomias como a francesa podem revelar: gratificar o paladar é não só um dos prazeres mais completos, como uma atividade que predispõe o praticante aos outros prazeres sensuais e, por que não, espirituais da vida. Conhecida pelos níveis transbordantes de energia e iniciativa, Julia fez o que, à época, era uma façanha: entrou na escola Le Cordon Bleu e saiu de lá uma chef ou, como preferia dizer, uma cozinheira — e, em 1961, lançou com a amiga Simone Beck um clássico, Dominando a Arte da Cozinha Francesa, que explicava tim-tim por tim-tim como executar 524 receitas que de outra forma as americanas (ninguém então cogitaria incluir homens entre o público-­alvo) veriam como um Himalaia culinário. Entretanto, em 1962 os boêmios e viajados Child se viram de volta a Boston, a cidade de Paul, sem perspectiva de novas aventuras. A maior delas, porém, estava por começar — e é esse o ponto de que parte Julia, a apropriadamente deliciosa série que acaba de estrear na HBO Max.

    A Arte Culinária de Julia Child

    Não há nada aqui de requentado, e a série recorre a ingredientes e preparos bem diversos daqueles vistos no filme Julie & Julia, de 2009. Meryl Streep era um deleite arrulhando para soles meunière e suspirando com sauces béarnaises, mas a Julia da soberba atriz inglesa Sarah Lancashire é irresistível à sua própria maneira, e pelas outras facetas dela que emergem aqui. Convidada para falar de seu livro em um programa literário da minúscula TV pública local, Julia escolhe os atos às palavras: arruma uma chapa quente, saca da bolsa frigideira, ovos e manteiga (mais sal e pimenta, claro) e, após se ajoelhar no chão à cata de uma tomada, prepara uma omelete úmida e cremosa diante do atônito e esnobe apresentador. Sucesso: a emissora recebe um recorde de 27 cartas. Muitas tratativas e subterfúgios depois, Julia inicia seu experimento inédito, que se provaria colossalmente popular e influente: o programa The French Chef, em que, sempre tagarelando com seu jeito único e espirituoso, ensinava mulheres e agora também homens a destrinchar aves e então cercá-las de molhos esplêndidos, levar suflês às alturas, assar bolos pecaminosos e metamorfosear a compra no supermercado do bairro em coisas de dar água na boca. No país da comida enlatada e do jantar congelado, ela foi a precursora do food porn: descortinou um mundo de sabores e ensinou a ter curiosidade, a pôr para lá a culpa asso­cia­da à comida e a errar. Queimou, grudou, empelotou? Ou há jeito ou não há, e bola para a frente.

    Minha Vida Na Fraça

    Muito mais que uma maneira de abordar a culinária, Julia expressou uma filosofia de vida, e é a ela que a série tão bem faz justiça. Virou-se como pôde para bancar a produção, porque era algo que queria e queria muito. Fez amigos antigos mergulharem junto com ela no projeto, como Avis DeVoto (Bebe Neuwirth), a quem The French Chef arrancou de um luto prolongado, e a editora Judith Jones (Fiona Glascott), que estava no primeiro terço de seu trajeto rumo ao Olimpo literário. Deu a primeira chance a muitos jovens profissionais, aqui representados na figura de uma jovem assistente, Alice Naman (Brittany Bradford), e transformou a carreira de outros, como o produtor Russ Morash (Fran Kranz), que se tornaria um pioneiro na TV americana. E viveu tudo isso a par e passo com Paul (David Hyde Pierce), com quem teve um casamento que, como descreveu a VEJA o criador da série, Daniel Goldfarb, foi sempre ótimo, mas passou de tradicional a moderno no espaço da primeira temporada de The French Chef.

    Continua após a publicidade

    Aos 51 anos, quando inaugurou o programa, e com 1,88 metro de altura, cintura ampla, voz esganiçada e exuberância incontível, Julia é não raro lembrada como figura folclórica. Mas, nos esforços conjuntos do elenco e dos criadores, o que vem para o primeiro plano na série são justamente a modernidade e a independência de uma mulher que confiou mais em si do que nos outros e virou ícone pela força da personalidade (em um dos episódios, a decana do feminismo Betty Friedan fere Julia na alma ao dizer que ela é uma agente do retrocesso). O mais surpreendente ao espectador de hoje, porém, talvez seja algo tão antigo que virou novo, e que Sarah Lancashire expressa com habilidade incomum: a desprevenção com que ainda era possível a uma pessoa olhar na lente de uma câmera e ser apenas ela mesma.

    Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

    ‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape
    A Arte Culinária de Julia Child
    ‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape
    Minha Vida Na Fraça
    logo-veja-amazon-loja

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.