Augusto Nardes deveria pedir para sair do TCU
Ministro do Tribunal de Contas da União confessou envolvimento em conspirata contra o governo recém-eleito, numa coletânea de indícios de crimes
Augusto Nardes deveria pedir para sair do Tribunal de Contas da União, onde está há 17 anos.
Renúncia ao mandato vitalício, salário (R$ 37 mil) e regalias seria o melhor caminho para conter os danos da tragicômica conspirata em que se meteu com riscos à imagem do TCU, órgão auxiliar do Congresso Nacional.
Para o tribunal do qual já foi presidente, a abdicação de Nardes seria uma benção. Evitaria permanente desconfiança de um viés de militância política em todos os processos que contenham suas digitais.
Para ele, seria uma oportunidade de tempo livre para se defender das suspeitas de ter cometido graves delitos penais contra a ordem constitucional.
Nascido há 70 anos, Nardes já passou dois terços da vida na militância em núcleos partidários conservadores. Em 2006 trocou o mandato de deputado federal pelo Rio Grande do Sul pelo cargo perene no TCU.
No fim de semana, ele mandou mensagem a um amigo gaúcho. No áudio, vazado pouco depois, se vangloria da participação em algo que pode ser descrito como uma conspirata contra o futuro governo: “Demoramos, mas felizmente acordamos. O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo semana ou duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação.”
As consequências? “Imprevisíveis”, diz. “Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas.”
Acrescenta: “Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana. Ele [Bolsonaro] não está bem. Está com ferimento na perna, uma doença de pele bastante significativa, mas tem esperança ainda, né?, tem esperança de recuperar e melhorar a sua situação física. E, certamente, terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país. Se vai haver alguma mudança em relação a isso? Só [se houver] uma capitulação por parte de alguns integrantes importantes, dirigentes… Tudo que se sente é que [se] vai pra um conflito social na nação brasileira.”
Nardes, no áudio, evoca sua atuação como líder da bancada ruralista na Câmara (1999), quando ajudou a promover atos atualmente qualificáveis como terroristas — “queimamos máquinas, tratores… — para pressionar o governo Fernando Henrique Cardoso a aceitar reivindicações financeiras do agronegócio.
Se autoincrimina. Diz ser portador de “muitas informações” e que conhece “todos os passos que temos que fazer [sic]”.
Prossegue, lembrando sua posição de presidente do TCU durante a análise de contas de governo que ajudou o Congresso a decidir pelo impeachment de Dilma Rousseff: “Fiz a minha parte em 2014. Eu era presidente, alertei a presidente em 2012, 2013, sobre o que ia acontecer no país. Infelizmente, não conseguimos diálogo na época. Porque eles nunca aceitaram o diálogo, eles foram pro confronto”
Deixa transparente o viés de militância: “Agora é um confronto decisivo. Eles vão vir para um confronto que nós todos sabemos quais são as consequências.”
“Nós tomamos uma decisão importantíssima em 2015” – segue no autoelogio— “quando eu tive a coragem, em 130 anos [do TCU] pela primeira vez, de tomar uma atitude de reprovar as contas [governamentais], porque encontramos R$ 340 bilhões em 2015 e 2016 de irregularidades na nação.”
Prevê: “E tudo se mostra que vai acontecer novamente. Ou seja, princípios de estabilidade fiscal não vai [sic], a não ser que a sociedade faça muita pressão…”
Na meteorologia política de Nardes, está “tudo muito nebuloso em relação ao futuro do país”. Joga com a criatividade: “Imagina, eles com mais quatro anos de governo, o que vai acontecer na nação? Não sei. Vai depender da sociedade se reerguer, retomar a sua força, saber da sua força. A sociedade sabe da sua força mas não tinha despertado, hoje nós estamos despertos…”
Complementa: “Eu fico aqui como magistrado procurando olhar a árvore e a floresta. A floresta, se não for [sic] tomadas medidas bastante fortes, ela está indo para um processo de ser incendiada aos poucos (…) Os próximos dias serão nebulosos e o que vai acontecer de desdobramento não se sabe, mas, certamente, teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias.”
O ex-presidente do TCU confessa conhecimento e envolvimento numa conspirata contra o governo recém-eleito. Nela transparecem indícios de uma coletânea de crimes previstos no Código Penal.
Um deles (Artigo 359-L): “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.” A pena varia de quatro a oito anos de prisão, além de imputação adicional por violência.
Outro exemplo (Artigo 359-M): “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.” Dá quatro a doze anos de cadeia, com acréscimos correspondente à violência.
Há, ainda, possibilidades de crimes de responsabilidade, de obstrução de justiça e de prevaricação – por retardar ou deixar de praticar o dever de servidor público. Além, é claro, da perene suspeição sobre todos os atos processuais com suas digitais.
Na noite de segunda-feira (21), ele divulgou nota lamentando “a interpretação” dada a um áudio “despretensioso, gravado apressadamente e dirigido a um grupo de amigos”.
Acrescentou que repudia — “peremptoriamente” — manifestações golpistas, reiterando a “defesa da legalidade e das instituições republicanas”.
Nardes cumpre o ritual, mas sabe que a lamentação não deve ser reconhecida pelo valor de face no Congresso, onde uma saraivada de denúncias já foi engatilhada. Na maledicência de Brasília, a confissão teria sido vazada deliberadamente para garantir credibilidade ao conteúdo.
Fazer barulho é uma forma efetiva de oposição, prescrevem manuais de agitação e propaganda política. O problema, agora, é a visibilidade da militância de Nardes no tribunal que vai controlar, fiscalizar e julgar as contas do futuro governo. A renúncia é sua melhor rota.