Jair Bolsonaro na defensiva, como se mostrou ontem na entrevista ao Jornal Nacional, é novidade para um candidato à reeleição que fez da estridência uma rotina e da ofensa um protocolo na Presidência da República nos últimos três anos.
Foi uma escolha, atesta a “cola” que levou ao estúdio de televisão. Na palma da mão esquerda, havia escrito à tinta roxa: “Nicarágua”, “Argentina”, “Colômbia” e “Dario Messer”. Esses três países são governados por aliados do adversário Lula, do PT. Messer foi um tipo de “banqueiro” do submundo financeiro, em cuja ficha criminal reluz a lavagem de R$ 8,6 bilhões em subornos pagos por empreiteiras a políticos durante a era petista, desvendados na Lava Jato.
A fuga momentânea do estilo tosco de fazer política surpreendeu aliados e adversários, embora tenham assistido ao método durante os 27 anos em que Bolsonaro frequentou o Congresso como deputado federal: ele ataca e recua — tentando não se desmentir —, quando se vê acuado e necessitado da leniência coletiva para seguir no mandato.
Ontem, por exemplo, foi cobrado sobre a contradição de, num momento, se dizer “defensor da liberdade” e, em outro, comandar comícios com apelos a golpe militar, ditadura, fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Um deles foi em abril do ano passado na porta do Quartel-General do Exército, em Brasília, e, desde então, manteve o hábito. Tornou-se protagonista de inquéritos no STF, acusado de delitos constitucionais.
Na resposta, tangenciou: “Quando alguns falam em fechar o Congresso é liberdade de expressão deles. Eu não levo pra esse lado. E pra mim isso aí é faz parte da democracia. Eu não posso é eu ameaçar fechar o Congresso, ou o Supremo Tribunal Federal.”
Bolsonaro faz isso há pelo menos 29 anos. Em junho de 1993, estava no primeiro mandato de deputado federal e viajou a Santa Maria (RS) para um evento militar. Ao chegar, apresentou ao repórter José Mauro Batista, do jornal local A Razão, a sua receita para solução dos problemas nacionais: “Um curto período de exceção, que incluiria, entre outras medidas, o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das prerrogativas do Legislativo por seis meses.”
Na volta Brasília, diante da ameaça de cassação, tentou se explicar na tribuna da Câmara. Piorou a situação: “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem, conforme previsto no artigo 142 (…) Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo…”
Foi quando o deputado baiano José Lourenço, reconhecido conservador, se aproximou e passou a interrompê-lo seguidamente.
“Acabe logo, deputado!” — repetia Lourenço, intimidador.
Bolsonaro se voltou para ele: “Estou pronto para resolver o problema aqui, por qualquer meio.”
Lourenço passou a mão no paletó, na altura da cintura e insinuou, desafiante: “Sei que vossa excelência é um homem valente…”
O deputado Wilson Campos, que presidia a sessão, interveio. Bolsonaro encerrou o discurso rapidamente, com um pedido de desculpas. E ganhou a condescendência da Câmara, que queria fechar. Há vários episódios semelhantes na biografia do ex-deputado Bolsonaro.
Na entrevista de ontem, de novo, ele se mostrou na papel do político à procura da complacência. Tem bons motivos.
Como presidente minimizou a pandemia, fez uma opção preferencial pela cloroquina e pregou contra as vacinas. Resultado: a sociedade atropelou o governo Bolsonaro e oito em cada dez brasileiros já estão totalmente vacinados.
O candidato à reeleição, literalmente, ficou falando sozinho no palanque, porque subestimou um fator inédito no processo eleitoral — o medo que os eleitores têm da morte.
Essa desconexão entre Bolsonaro e o eleitorado está aí, outra vez, desenhada nas pesquisas. Fazer campanha flertando com golpe de estado se tornou improdutivo e muito perigoso. Não soma, ao contrário, subtrai: 75% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. É recorde em 33 anos, segundo o Datafolha.
A quatro semanas da eleição, Bolsonaro está em busca da indulgência dos eleitores porque precisa de todos votos possíveis para chegar ao segundo turno. Como seu principal adversário é ele mesmo, ontem preferiu ficar na defensiva.