Pela segunda vez em quinze dias, Jair Bolsonaro usou a estrutura de governo para um ato de campanha de eleitoral permeado pela ideia de derrota nas urnas.
Na manhã de terça-feira (5), promoveu uma “reunião ministerial” com 26 participantes identificados — 21 ministros, o vice-chanceler, o advogado-geral da União, os comandantes do Exército, da Aeronáutica e o secretário-geral da Marinha.
Por quase três horas, em pleno expediente, servidores usaram dinheiro e um edifício público, o Palácio do Planalto, para tratar dos interesses privados, político-partidários, do chefe e candidato à reeleição.
Ontem, recebeu dezenas de embaixadores no Palácio do Alvorada, e repetiu o roteiro. Sem provas, como sempre, alegou fraude 75 dias antes do início da votação no sistema eleitoral pelo qual se elegeu nas últimas três décadas — sem contestações.
Por cerca de duas horas, apresentou-se num espetáculo inédito e tragicômico: passou à História como o presidente que convocou delegações estrangeiras ao palácio para descreditar o país que governa e que possui um histórico de sucesso na resistência institucional ao extremismo e ao autoritarismo.
Pior é difícil — esse adjetivo é adequado porque a palavra “impossível” não existe na vida política, como Bolsonaro tem demonstrado nos últimos três anos de mandato.
Fez sem justa causa e razão, notou o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso.
Se expôs numa miríade de possíveis delinquências contra o Estado estabelecidas na legislação há 131 anos, desde que o marechal Deodoro da Fonseca, do Partido Conservador, assinou o primeiro Código Penal do regime republicano e federativo.
Desde o comício pela “volta do AI-5” no portão do Quartel-General do Exército, ano passado, adversários veem Bolsonaro seguindo um roteiro de sedição, plasmado na fracassada tentativa de golpe de Donald Trump, em exumação no Congresso americano. É possível e tem tudo para dar errado.
Objetivamente, o que traduzem a “reunião ministerial” do dia 5 e a de ontem com diplomatas estrangeiros é o empenho do candidato do Partido Liberal em traçar uma rota de fuga eleitoral para a liderança da oposição. O problema comum nos planos políticos costuma ser a confusão entre o desejo e a realidade.