Foi uma celebração sem pompa, como programado. Do lado de fora, fila de senadores, deputados, governadores, prefeitos e oficiais militares, quase todos usando máscaras. Dentro, lotação esgotada, meio milhar de pessoas. Não se via cena semelhante no Palácio do Planalto desde os tempos de Lula, que gostava de discursar três vezes ao dia, com plateia cativa.
Desta vez, foi diferente. O celebrado não era o presidente, mas um senador (licenciado) do Piauí, presidente do Partido Progressistas e um dos líderes do Centrão.
Ciro Nogueira, 52 anos, rico empresário de Pedro IIº, na serra piauiense, anunciou-se como “um amortecedor” de crises no comando da Casa Civil de Jair Bolsonaro.
O salão repleto avalizava sua condição de virtual primeiro-ministro, apoiado pelo aglomerado de duas centenas de parlamentares que, com ele, chegam ao centro do poder.
Num canto, tentando ser discreto às lentes dos fotógrafos, estava Valdemar Costa Neto, em terno cinza claro, gravata de tom roxo. Chefe do Partido Liberal, fração relevante do Centrão, ele deu a Bolsonaro a chefe da Secretaria de Governo, Flavia Arruda.
O Centrão governa, e Bolsonaro preside. Um focado no Orçamento, outro na campanha de reeleição.
Num gesto de reconhecimento novo ministro, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, envolveu Ciro Nogueira num semiabraço, tímido e suficientemente desajeitado para chamar a atenção.
General aposentado, Heleno ficou famoso por ensaiar uma paródia na convenção do candidato Bolsonaro, em 2018, quando cantarolou: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão…”
Ao vê-lo num quase-abraço a um dos chefes do aglomerado partidário, que publicamente repudiava, um parlamentar não resistiu: sussurrou a ideia de enviar ao ministro-chefe GSI uma “ficha de filiação” a um dos partidos do Centrão. E arrematou a ironia com a lembrança do bordão predileto do ex-presidente Fernando Collor, hoje prócer do Centrão e fiel aliado de Bolsonaro: “O tempo é senhor da razão.”
Ciro Nogueira fez um discurso-exaltação da democracia diante de um presidente seduzido pela ameaça às eleições de 2022, embora até os aliados lhe reconheçam a insuficiência de meios e de apoio, dentro e fora dos quartéis.
“É por ela que todos nós estamos aqui, presidente”, apelou o antigo aliado dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. “É por ela que o senhor está aqui, para cuidarmos dela, para zelarmos por ela”.
Depois, os convidados foram festejar. Bolsonaro ficou. Programara uma entrevista ao Pingo nos Is, da rádio Jovem Pan. Voltou a confrontar o Judiciário, o Supremo e a Justiça Eleitoral. Disse que pode até usar armas fora da Constituição. Ciro Nogueira não o comoveu nem o converteu, e tampouco amorteceu.
Essa ameaça, como as anteriores, é passível de variadas interpretações. Entre elas a de um golpe de Estado para impedir eleições em 2022. Se fosse possível, não haveria Congresso — muito menos o aglomerado partidário que, hoje, significa a salvaguarda de Bolsonaro para a centena de pedidos de impeachment adormecidos na gaveta de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e o mais influente líder do Centrão.