STF já tem o desenho da saída da crise com Bolsonaro
Decisão será coletiva, mas não há urgência. Até lá o deputado continua condenado à prisão, multas e inelegível — interditado para cargo ou função pública
Na quinta-feira passada, Jair Bolsonaro jogou uma casca de banana no plenário do Supremo Tribunal Federal ao usar o poder, a caneta e o Diário Oficial para proteger um amigo, Daniel Silveira, deputado federal pelo PTB do Rio.
A armadilha ficou visível na meia dúzia de palavras finais do decreto de indulto ao condenado a oito anos e nove meses de prisão por crimes contra o regime democrático e ameaças de morte aos juízes do STF e familiares.
O decreto suspende as sanções de prisão, as multas e, também, as “penas restritivas de direitos”. Na prática, concede uma espécie de “anistia” ao deputado delinquente, atropelando a Constituição e a Lei da Ficha Limpa, para que ele possa se candidatar nas eleições de outubro.
Bolsonaro fez uma jogada estudada, astuciosa, para alavancar a própria candidatura à reeleição na esteira da repercussão de um conflito com o Judiciário. Apostou no tumulto do processo eleitoral e na instabilidade institucional.
Ontem, o Supremo começou a desenhar a saída da crise inventada por Bolsonaro em despachos dos juízes Alexandre de Moraes, no processo do deputado condenado, e de Rosa Weber, relatora das ações de três partidos (PDT, Psol e Cidadania) que pretendem anular o decreto.
Weber e Moraes avisaram que a decisão definitiva será do plenário. Como não há data prevista, até lá o deputado continua sentenciado à prisão, multas e inelegível, com todos os processos em andamento. Por enquanto, continua obrigado a uma série de procedimentos, como usar tornozeleira eletrônica e a prestar contas ao tribunal, sempre que interpelado.
Não há urgência. A premissa para o relógio do STF começar a andar é a publicação da sentença ou “acórdão condenatório”. E então ocorre a primeira análise — a do momento em que passa a valer a extinção das penas, como prevê o decreto.
Isso porque, escreveu Moraes, indulto, graça ou clemência são cabíveis somente após o fim do processo penal — o “trânsito em julgado” —, conforme a coletânea de decisões, ou jurisprudência, “amplamente majoritária” nos tribunais superiores.
É certo, lembrou, o Supremo, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atravessaram as últimas três décadas com uma definição consensual estabelecida: “A concessão do indulto extingue a pena, mas não o crime, de modo que não são afastados os efeitos secundários do acórdão condenatório [sentença], dentre os quais a interdição do exercício de função ou cargo públicos.”
Dessa forma, o caso do deputado condenado já estaria liquidado em pelo menos um aspecto — ele vai ficar inelegível e impedido de ocupar qualquer cargo ou função pública a partir da condenação, ainda que o Supremo considere constitucional o decreto de Bolsonaro.
Quanto ao mandato que possui, atualmente, o problema é do Legislativo e não do Judiciário. Somente a Câmara e o Senado é que podem cassar mandatos. Isso, no entanto, só pode ser decidido pelos parlamentares a partir do momento em que o processo chegar ao fim, com a publicação da sentença.
É difícil imaginar que deputados e senadores se disponham a enfrentar o eleitorado numa dura batalha pela reeleição defendendo um deputado condenado por crimes contra a Constituição e por ameaça de morte a juízes e seus familiares.
Além disso, para deixá-lo elegível, como pretende Bolsonaro no decreto, precisariam dispor de tempo para votar mudanças na legislação. Tanto na Lei de Ficha Limpa, um símbolo anticorrupção, quanto na Constituição, o que exige aprovação com maioria absoluta, em dois turnos de votação, na Câmara e no Senado.
O tempo da Justiça é diferente, mais relativo do que na política. Às vezes, abre espaço para a coincidência de interesses nos Três Poderes. Pode-se, também, chamar de “jeitinho”.