A recente incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) do teste de papilomavirus humano (HPV) baseado na detecção do DNA do vírus, por meio da tecnologia de PCR, conhecido como teste de genotipagem, tem sido comemorada em todo o Brasil como uma importante forma de prevenir e lidar com o câncer de colo de útero no país. A doença é causada por infecções persistentes de determinados tipos do HPV e por condições imunológicas inadequadas. A incorporação é um grande avanço para a saúde pública no país, com possibilidade de salvar muitas vidas, já que este é o terceiro tipo mais comum de câncer entre as mulheres.
De forma inovadora, o teste de DNA-HPV utiliza a tecnologia de biologia molecular por reação em cadeia de polimerase (PCR) detectando, de forma rápida e automatizada, a infecção por HPV antes de o vírus transformar as células em pré-câncer ou câncer. Ou seja, sua sensibilidade é tão alta a ponto de mostrar se a mulher possui o vírus e não necessariamente se já está doente.
Assim, é possível saber com antecedência o risco de desenvolver a doença, aumentando significativamente a possibilidade de um diagnóstico e tratamento precoce do câncer de colo de útero também chamado de câncer cervical. Além disso, se o resultado desse teste for negativo para todos os tipos de HPV, a mulher pode aguardar cinco anos para refazê-lo, não sendo mais necessário realizar o papanicolau todos os anos.
Evidências de vida real
Um exemplo da eficiência do teste é o estudo pioneiro, publicado pela revista científica The Lancet Regional Health, que realizou o rastreamento, detecção e diagnóstico do HPV utilizando o teste molecular para detecção do vírus na cidade de Indaiatuba, no interior de São Paulo, resultado de uma parceria da Unicamp, Prefeitura de Indaiatuba e Roche Diagnóstica.
Após trinta meses do Programa de Rastreamento do Câncer de Colo de Útero com exame de DNA-HPV, mais de 80% da população-alvo projetada foi coberta e a conformidade dos testes de HPV realizados com a idade foi de 99,25%, em comparação com 78% obtida no rastreamento oportunístico através da citologia (papanicolau) realizado nos 30 meses anteriores ao início do estudo.
No total, foram detectadas 21 mulheres com a doença, com média etária de 39,6 anos e 67% dos casos em estágio inicial, em comparação com 12 situações detectadas pelo rastreamento com papanicolau, com média etária bem superior, de 49,3 anos, e apenas um caso em estágio inicial. Ou seja, o estudo mostrou que foi possível antecipar em dez anos o diagnóstico do câncer nas mulheres testadas pelo DNA-HPV.
Muitas das que participaram do estudo deixaram de desenvolver o câncer de colo do útero. Isso porque, se o resultado do teste era positivo para os tipos 16 e 18 do vírus do HPV, que são responsáveis por 70% dos tumores, a mulher era encaminhada para outro exame, conhecido como colposcopia, a partir do qual, se havia alteração, era possível realizar um tratamento curativo e preventivo da lesão inicial.
Próximos passos
Após a aprovação do inovador teste de DNA-HPV no SUS, que aconteceu em 8 de março deste ano, o Governo Federal tem o prazo de 180 dias para disponibilizar a tecnologia em todo o país, sendo que essa implantação será guiada pela Diretriz Nacional para o Rastreamento do Câncer de Colo de Útero, que está sendo desenvolvida pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA).
No entanto, ainda há a discussão acerca do tipo de teste que deverá ser usado: o de genotipagem estendida ou parcial. De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), os genótipos de HPV são divididos em dois grupos a partir de seu potencial de transformação oncogênica e desenvolvimento do câncer cervical: os de baixo e alto risco.
As duas tecnologias (parcial e estendida) avaliam os mesmos genótipos de alto risco, contudo, a genotipagem parcial segrega os genótipos mais correlacionados com o desenvolvimento de câncer de colo de útero e identifica os genótipos menos associados como um grupo.
Ou seja, os testes de HPV comerciais são vários, alguns só identificando o grupo de risco como baixo e alto, outros com genotipagem parcial diferenciando o 16 e 18, que são os mais frequentes e relacionados com o desenvolvimento da doença, além de outros 124 tipos, não havendo diferença para o manejo segundo as diretrizes recomendadas pela OMS. Além de que há outros com genotipagem estendida, identificando por “nome” o HPV envolvido naquela infecção.
Atualmente, a genotipagem parcial segue diretrizes nacionais e internacionais, segregando os genótipos mais associados com lesões de gravidade, que são o 16 e 18, tornando a decisão médica mais simples e assertiva. Isso já pode ser comprovado em outros países, como Chile, Argentina, México e Austrália, que têm utilizado a genotipagem parcial como base de seus programas de testagem, garantindo a redução dos casos e do número de óbitos pela doença. Assim, em um país com realidades tão diversas como o nosso, essa simplificação e o foco na genotipagem parcial no que mais tem potencial de virar câncer serão essenciais para garantir agilidade, eficiência e rápida detecção da doença. E isso significa ajudar a salvar mais vidas. Afinal, nenhuma mulher deveria morrer de câncer de colo do útero.
* Neila Maria de Góis Speck é médica ginecologista e coordenadora do Núcleo de prevenção de doenças ginecológicas da Escola Paulista de Medicina