Aos 19 anos, Letícia Alves deixou a família em Navegantes, em Santa Catarina, e partiu para o Rio de Janeiro com um objetivo claro: seguir a carreira militar, inspirada pelo pai, sargento do Exército. Como mostrou reportagem de VEJA na edição desta semana, ela é uma das 114 mulheres que se formaram, no dia 5 de julho, na primeira turma de fuzileiras navais da história do país.
“Quando abriu o concurso para a primeira turma de mulheres, eu já estava estudando para concursos militares e decidi fazer a prova. Consegui passar, só que daí veio aquela dificuldade, porque não é no meu estado. Mas minha família super me apoiou e eu decidi vir viver essa experiência”, conta.
Foram quatro meses de treinamento intenso no Centro de Instrução Almirante Milcíades Portela Alves (Ciampa), acordando diariamente às 4 horas, com atividades físicas e aulas teóricas ao longo de todo o dia. Nos dois primeiros meses, elas não podem deixar o quartel e nem tem contato com os familiares.
“Esse começo é bem difícil mesmo, a nossa rotina é muito puxada. A parte mais difícil foi não ter meus pais ali me dando suporte. Foram dois meses de internato total, vivendo só o que acontece lá dentro”, conta Letícia. “É um espaço muito fechado para homens. Essa primeira turma foi importante para mostrar que a gente consegue fazer as mesmas coisas que eles. Às vezes, até melhor”, disse a VEJA”.
Agora formada, a soldado tem planos de ser instrutora para auxiliar outras mulheres a seguir a carreira militar. “Tem uma frase que me impactou muito, que é : Não pergunte se somos capazes, nos dê a missão.”
A primeira turma de mulheres fuzileiras navais é um marco duplamente relevante. Primeiro, porque elas irão integrar uma das corporações de elite da Marinha do Brasil. Segundo, porque é a primeira vez que elas irão ocupar postos de combate. Apesar do avanço, as Forças Armadas mantêm restrições à participação feminina. Atualmente há cerca de 35.900 mulheres em um contingente total de 346.900 militares.
Marinha é pioneira
A Marinha foi a primeira a admitir mulheres em seus quadros, em 1980. Com a formatura dessa turma, a gente completa todo o ciclo, permitindo mulheres em todos os corpos e quadros da marinha”, afirma o capitão de Mar e Guerra Vanderli Nogueira Júnior, comandante do Ciampa. Para recebê-las, foi preciso fazer reformas no quartel, adaptar banheiros e adotar medidas de segurança, como reconhecimento facial na entrada dos alojamentos. Os homens também tiveram palestras sobre comportamento e conscientização.
No Exército e na Aeronáutica, a entrada das mulheres se deu em 1982 e 1992, respectivamente. Em todos os casos, elas só podiam ingressar em áreas específicas, como logística ou saúde. Décadas depois, a presença feminina ainda não é permitida em áreas mais combatentes, como cavalaria, infantaria e artilharia.