“Eu não vi. Estava concentrado no discurso”, sentenciou à coluna Alexandre de Moraes, o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, sobre Jair Bolsonaro ter sido um dos únicos que não aplaudiram seu contundente elogio à urna eletrônica.
Era um recado certeiro. “O recado”.
O magistrado havia levado o público – a elite política e jurídica do país – a levantar em palmas no plenário do TSE quando apontou como orgulho nacional um fato: que a democracia brasileira é a única a fazer a eleição e apuração dos votos no mesmo dia.
O presidente da República manteve-se imóvel. Carlos Bolsonaro, também. Os dois quase foram acompanhados por Arthur Lira, que hesitou. Mas, o restante do Brasil que ali estava… levantou. Aplaudiu, sem exceção. Da centro direita à extrema esquerda, por assim dizer.
Estava, aliás, formada, naquele momento, a moldura da eleição brasileira em 2022. Ao menos, esse era o sentimento, o de que a democracia precisa ser preservada a todo custo.
Não foi um dia comum porque não tem sido um tempo comum.
Com a democracia sendo aviltada por Jair Bolsonaro, que insiste em esgarçar as quatro linhas da Constituição, estavam no recinto de bolsonaristas a petistas, de liberais a comunistas, de ex-presidentes ao mandatário máximo da República. Do líder à quarta colocada nas pesquisas de intenção de voto.
Entre os convidados, havia várias preocupações: o encontro de Lula com Bolsonaro não era o único a ser citado como problema, nem o de Alexandre com o atual presidente da República, desafetos que riram juntos em determinado momento da posse.
Encontros de Dilma Rousseff foram citados inúmeras vezes. Dilma e Temer, claro, mas Dilma e o próprio líder da extrema direita brasileira, que fez aquela nefasta declaração no impeachment, exaltando o torturador Brilhante Ustra.
Mesmo assim, o comentário que não cessava era um só: por que Jair Bolsonaro não aplaudiu Alexandre de Moraes?
Tão óbvia a resposta que não merece nem comentário. Ou merece?
Procuradores-gerais de justiça, catedráticos e professores titulares da USP, como Maurício Zanoide e Renato Silveira, faziam questionamentos como esse no auditório anexo, enquanto Augusto Heleno seguia com pompas de estadista no plenário principal.
É assim que o Brasil divide suas autoridades.
No púlpito em que Alexandre de Moraes bradou em favor das urnas, quando quase toda plateia o aplaudiu, Augusto Aras, o procurador-geral da República, disse estar “atento”. Autoridades perguntavam: “a que mesmo?”.
Lula acabou sendo o centro das atenções: ao fim da cerimônia todos olhavam para o petista, que, após cumprimentar Alexandre de Moraes, saiu pela esquerda dizendo que o discurso do magistrado foi a “confirmação da democracia no país”.
Sem responder à pergunta da coluna sobre se era “o recado” para Bolsonaro, o ex-presidente, que gostou de ser o centro das atenções, perguntou onde era a saída da posse, que já entrou para História do Brasil.
Mas essa é só a opinião de um jornalista. Leia abaixo, leitor, pontos de vista dados à coluna por diversos representantes do povo brasileiro. De bolsonaristas, inclusive, mas também de políticos da centro direita à extrema esquerda:
“Acho que vai ser muito bom o Alexandre na presidência. Tivemos uma reunião com ele por conta da trágica morte do Marcelo Arruda. A resposta foi rápida e firme”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffman.
“Recado firme, claro e direto. O recado. Mesmo para quem não é bom entendedor, o recado foi dado”, afirmou a candidata à presidência da república, Simone Tebet (MDB).
“Não achei tão forte o recado. Ele vai adotar uma postura de pacificador”, disse o deputado federal Aécio Neves (PSDB).
“O Alexandre vai fazer um bom trabalho. Demonstração de força grande. O presidente, vários ex-presidentes, vários governadores. Uma demonstração de que realmente todo mundo acredita da justiça eleitoral e que teremos uma eleição limpa, com certeza. Acho que o que ministro Alexandre falou vai muito da crença mesmo e do respeito à corte. Foi muito bom”, afirmou o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Sobre o presidente, seu padrinho, não ter batido palmas quando o ministro Alexandre de Moraes fez um elogio claro às urnas eletrônicas, o político complementou: “Acho que cada um tem sua posição. O que eu vejo do presidente Bolsonaro é querer melhorar ainda mais a questão da segurança. Acho isso superpositivo”.
“O presidente do TSE fez um pronunciamento histórico e a defesa que ele fez do sistema eleitoral, do sistema de votação, colheu – no plenário diverso – um apoio entusiasmado. Ali não estava só petista no plenário. Ali tinha de tudo, estava ali o mundo do direito, estava ali a magistratura, estava ali muita gente com visão diferente da política. Menos o presidente – é conhecida a sua intolerância política. Eu diria que foi espetacular, hoje nós produzimos a moldura para a eleição”, ressaltou o deputado federal Orlando Silva (PCdoB).
“Foi um ato importantíssimo, representativo. Uma manifestação de apoio à democracia e às instituições e o mais importante é a confiança de todos ali, ou de quase todos, na justiça eleitoral. Um ato muito simbólico”, afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB).
Sobre o presidente não ter batido palmas quando o ministro Alexandre de Moraes fez um elogio claro às urnas eletrônicas, ele complementou: “Eu vejo que essa é uma manifestação não da sociedade, mas dos representantes da sociedade, assim, majoritariamente, representada aqui, aplaudiu a justiça eleitoral. Então o presidente da República também tem a oportunidade de rever a sua posição com relação ao nosso sistema eleitoral. Até porque ele foi eleito por esse sistema eleitoral e vai enfrentar uma eleição agora por esse sistema eleitoral. Então é fundamental que a gente legitime o sistema eleitoral”.
“Parabenizo o ministro Alexandre de Moraes pela posse no cargo de presidente do TSE e também ao ministro Ricardo Lewandowski, empossado como vice-presidente da Corte. Cumprimento o ministro Edson Fachin, que deixa a Presidência do TSE, pelo trabalho realizado com competência. Reafirmo aqui minha confiança na Justiça Eleitoral, ainda mais neste momento desafiador do país”, afirmou o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD).
“Uma cerimônia que demonstra confiança no trabalho da justiça eleitoral, nos servidores da justiça eleitoral. E toda a presença do presidente da República, presidente da Câmara, presidente do Senado, governadores de estado, mais de vinte governadores de estado. Todo o judiciário e o sistema de justiça: ministério público, a advocacia privada. Reforça, sem dúvida nenhuma, esse valor importantíssimo pra uma nação se desenvolver, crescer e fazer justiça social, que é a democracia. É muito importante que esse trabalho seja feito cotidianamente. E aqui nós tivemos um exemplo dessa grandiosidade que é a força das instituições brasileiras, do Estado democrático de direito e na força do sistema de justiça”, disse Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal. Sobre a ausência de palmas de Bolsonaro, o magistrado complementou: “Eu não reparei nisso”.
Claro que reparou.
Uma boa eleição a todos.