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Walcyr Carrasco

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A vida sem comer

A dura missão de perder peso num mundo onde tudo engorda

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h30 - Publicado em 18 jun 2023, 08h00
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  • Filé não existe mais. Nem frango. Muito menos ovo. Tudo isso é proteína. De uma hora para outra, todo mundo virou nutricionista. Se estico o talher para pegar uma gulodice, sinto olhares fixados em mim. Ouço comentários do tipo: “Cuidado, engorda”. Respondo, heroico: “Nada que um jejum intermitente não resolva”. (Intimamente eu sei que não vou passar dezesseis horas sem comer, ou até mais, como manda o tal jejum.) Disfarço. Quero me encher de glicose, sentir o efeito da dopamina barata nas minhas veias. A dopamina é uma molécula associada popularmente ao prazer. Mas pode ser viciante. Não é fácil, não.

    Comer virou uma experiência aterrorizante. Quanto mais se consome a dopamina ruim, menos o corpo produz a própria naturalmente. É uma vilã. De acordo com uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, os efeitos do açúcar no cérebro possuem mecanismo semelhante ao do vício em cocaína. Forma-se um círculo vicioso, onde se busca sempre uma sensação de prazer.

    Eu não precisava da pesquisa para saber disso. Se devoro um bombom, não tenho paz até acabar com a caixa. Dizem que o corpo fala. Mas, em relação aos doces, o meu grita. Tenho um amigo que não come açúcar há anos e jura ser feliz. Outra amiga tirou o carboidrato da vida por promessa para ser bem-sucedida. Hoje está magra e rica. Mas eu? Não consigo imaginar a vida sem meu carbo. Ou sem gordura das piores. Um torresmo bem fritinho, tem coisa melhor? Sim. Batatas fritas.

    “Quero ter um corpo saudável. Mas é possível desfrutar a vida sem pastéis, coxinhas e chocolates?”

    No país todo mundo dá palpite sobre futebol, novelas, vida afetiva e investimentos financeiros (quanto maior a inflação, mais palpite). Nos últimos anos surgiu um exército disposto a me introduzir em alguma dieta. Antes o recomendado eram três refeições por dia. Depois, comer só de três em três horas, para acelerar o metabolismo. Veio o jejum intermitente, em que se fica de doze a 36 horas sem nenhum tipo de alimento. Um amigo fez disso uma saga: foi para as montanhas peruanas e passou dois dias em jejum absoluto. Nada mau. Os antigos místicos se refugiavam em desertos ou montanhas pedregosas para praticar meditação e jejum. Se eu tentasse o jejum peruano, no desespero faria churrasco de lhama. Há astronautas que vivem de pílulas por meses. Para mim seria difícil, sem azeite ou um tempero especial.

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    Emagreci bastante nos últimos meses. Mas ainda estou traumatizado pela barriga que perdi. Ela me assombra, como um fantasma que pode se materializar a qualquer momento. Ainda lembro com terror das semanas em que acordava, comia três ovos, depois almoçava mais três e à noite, rezava para o dia seguinte chegar. Depois de tantas dietas, descobri que não tem jeito, tudo engorda.

    A única solução seria viver de luz, mas essa dieta saiu de moda depois que alguns adeptos foram hospitalizados às pressas. Sou sincero. Quero ter um corpo saudável. Mas é possível desfrutar a vida sem pastéis, coxinhas e chocolates?

    Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846

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