Hoje em dia, os serviços de luxo não se definem apenas pelo preço. Tem muito mais a ver com experiência e exclusividade. É uma tendência mundial que o Brasil tem seguido em várias áreas, da gastronomia ao turismo – não precisa necessariamente ser mais caro, desde que o acesso seja bem mais restrito e a vivência memorável.
Hospedar-se numa cabana em praia deserta, impecavelmente preparada para os hóspedes; receber em casa um chef premiadíssimo para preparar seu menu degustação ou, ainda, ser acomodado no carro preferido na porta do avião e levado para sala reservada do lounge até que bagagem esteja acondicionada no porta-malas são pequenas e seletivas comodidades que o mercado de luxo vem apostando para fazer brilhar os olhos dos mais abastados.
“Para esse público, o ‘high level’ do luxo é um serviço personalizado; não é algo que o dinheiro possa comprar”, resume Leo Marigo, restaurateur e sócio do Grupo Evvai – com o premiado restaurante Evvai, cuja cozinha é comandada pelo chef Luiz Fillipe Souza – do Daje Roma, do Rendez-Vous e da Petros Greek Taverna.
Não é “só” ter dinheiro
Na gastronomia, por exemplo, a experiência tem que ir bem além da boa comida. Para quem busca serviços de luxo, o bom é chegar em um restaurante, ser atendido pelo nome, conduzido à mesa que mais gosta e ser apresentado a um cardápio personalizado, que leva em conta todas as suas restrições alimentares e paladares pessoais.
Leo Marigo, que começou a carreira em hotéis de luxo, como Fasano e Ponta dos Ganchos, adaptou a abordagem da hotelaria aos restaurantes, principalmente para o seu Evvai, que conquistou uma estrela Michelin em 2020 e ganhou o prêmio Veja São Paulo Comer & Beber 2023 na categoria “Cozinha de Autor”, além das cinco estrelas máximas distribuídas pelo evento. “Quando alguém fazia uma reserva nos hotéis, tínhamos um briefing dos hóspedes – quem eram, de onde vinham, as preferências. Trouxe isso para dentro do Evvai, um trabalho que ficou bem mais fácil em tempos de redes sociais, porque conseguimos descobrir se a pessoa vai comemorar uma data especial e os pratos que mais gosta”, exemplifica.
Outtra “tática” do restaurateur paulista é investir em casas que proporcionam vivências genuínas. No Petros, a ideia é levar o cliente a uma taberna típica da Grécia, com todos seus aromas, sabores e ambiente característicos. Ali, até uma rádio grega é sintonizada em tempo real. Já no Daje Roma, a intenção é extrapolar o tradicional jantar italiano, focando no que ele compara a uma tradicional refeição romana. “Podemos resumir o luxo de hoje como sendo a experiência como um todo e não apenas o produto em si. Além disso, essas casas trazem o luxo de voltar para as raízes da gastronomia”, pontua Marigo.
Nessa mesma linha privativa, tem se tornado frequente também a realização de refeições na casa de clientes, com o chef e sua equipe preparando um menu sob encomenda para seletos grupos, ou em espaços particulares no próprio restaurante, que os demais frequentadores sequer imaginam existir. “O surgimento de clubes exclusivos, restritos a poucos clientes também entram nessa conta. São bares e restaurantes fechados ao público em geral, cujo acesso é liberado apenas a associados e seus convidados. Algo bem intimista e reservado”, diz Martin Casilli, chef por trás do grupo Sky Hall.
Números Comprovam
Segundo um levantamento da Bain & Company, em parceria com a Altagamma, associação italiana dos fabricantes de bens de luxo, o mercado para esse segmento de luxo personalizado tem potencial para fechar 2023 com crescimento de 9% a 12%, superando os 345 bilhões de euros movimentados no ano passado. Para se ter uma ideia, só no primeiro trimestre, o conglomerado francês de luxo LVMH (Louis Vuitton Möet Hennessy) atingiu o valor recorde de US$ 23,12 bilhões, um aumento de 17% em um ano.
A repercussão positiva nos negócios também é identificada por aqui. De acordo com o mais recente relatório do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), em parceria com HotelInvest, até 2027 serão investidos R$ 5,7 bilhões em hotéis urbanos, com 108 novas unidades e destaque para hotéis boutiques e resorts. “Essas pessoas querem a coletividade por conta de conexões, negócios etc. e, ao mesmo tempo, buscam privacidade, algo só para elas”, diz Thiago Ramos, consultor para hotéis e restaurantes há 14 anos.
O que será o luxo no futuro?
Em suma, exclusividade atualmente, por exemplo, é fazer parte da lista de clientes especiais que são avisados tão logo seja disponibilizado um ingrediente ocasional no restaurante predileto. É o que ocorre, por exemplo, quando chegam às casas de Marigo, pedaços impecáveis de bluefin, o atum azul, peixe difícil de ser capturado no Japão e que exige toda uma logística própria para chegar ao Brasil – não à toa, o quilo custa entre R$ 500 e R$ 800, dependendo do corte.
“A tendência do luxo é também se voltar para a simplicidade, no sentido de saborear comidas mais comfy, com ingredientes fornecidos diretamente pelo produtor e sem exageros na combinação ou muitas misturas”, diz ele. É mais ou menos o que se vê na tendência do quiet luxury no universo da moda, com roupas sem marcas à vista ou cores muito evidentes – sóbrias e básicas, sem ostentação, mas com aura de riqueza.
Thiago Ramos, por sua vez, reforça o interesse em alimentos orgânicos, mais naturais e menos processados. Isso ainda tem a ver com os movimentos wellness e de sustentabilidade, já presentes na hotelaria. Da mesma maneira, diante das novas tecnologias que têm ampliado a automatização dos serviços dentro da categoria consumo de massa – inclusive com autoatendimentos -, as empresas que optarem por manter o contato humano vão conquistar pontos extras dentro do mercado de luxo.
“Ter pessoas interagindo com clientes também vai significar exclusividade, reforçando a questão da hospitalidade e de acolhimento, algo que tende a ser cada vez mais raro. As relações interpessoais serão diferenciais nos próximos anos”, sentencia Ramos.
É obrigação “saber de tudo”
Dentro do segmento de luxo, há ainda um papel bastante importante, capaz de dar vida a qualquer tipo de exclusividade – o assistente pessoal e concierge. Mineiro de Passos, Cássio Alves mora há 15 anos em Paris, onde desempenha a função. Sua principal tarefa é saber de tudo para sugerir ao cliente o que há de melhor e mais privativo no mundo.
Durante 13 anos, foi mordomo e, posteriormente, assistente pessoal do estilista Kenzo Takada, que faleceu há três anos, vítima da Covid-19. Atualmente, desempenha a mesma função para um CEO de empresa de eventos que atende a grandes marcas.
“É obrigação encontrar tudo de melhor e atual no mundo, garantindo que o cliente conheça todas as novidades, o que está na moda e as boas pedidas ao seu dispor”, explica.
Para isso, é necessário conhecer profundamente seu cliente, regra básica das relações atuais entre cliente e restaurante ou hotel. “Você deve saber desde os tipos de comida preferidos até o lugar favorito para viagens de avião – janela ou corredor”, atesta, acrescentando. “Luxo, hoje, se resume a uma palavra: exclusividade. Tudo o que é exclusivo é excitante. Serviços extras, como desbloquear um quarto de hotel ou uma mesa de restaurante que estava ‘lotado’ é algo luxuoso. Isso não se limita ao valor. Também tem a ver com flexibilidade e facilidades.”