Na voz da cantora Amália Rodrigues (1920-1999), as belezas de Portugal, com suas tradições e o amor por se lançar a terras distantes pelo mar, ficaram eternizadas e atravessaram oceanos. Dos sabores, exaltou o pescado mais emblemático do país: “De uma sardinha fresquinha / Diga-me lá quem não gosta”. O peixe se popularizou, no entanto, como um enlatado disponível nas gôndolas de qualquer mercado e um aliado dos dias de preguiça, quando mata a fome entrelaçado ao macarrão. Essa conserva (sim, isso mesmo) é também um produto premium, que alimenta um mercado de colecionadores e desponta em versões de luxo com latas decoradas e ingredientes selecionados. Uma delas, a Jose Gourmet, desembarca ao Brasil neste mês para mostrar aos brasileiros que é possível fazer pratos requintados usando sardinhas.
A proposta ousada é da importadora Fui ao Mar, que iniciou as atividades no mês passado com o objetivo de apresentar a “prateadinha”, como cantava Amália, em novas versões — dentro do portfólio com 100 produtos da Jose Gourmet, as sardinhas correspondem a 40% –. Assim, é possível sentir o real sabor de uma sardinha embebida no puro azeite extra virgem, em um encorpado molho de tomate ou ainda ter as papilas aguçadas por um marcante toque defumado.
“Queremos tirar da mentalidade do brasileiro que a sardinha enlatada é de baixa qualidade. Ela já foi um alimento de guerra na Europa, mas temos opções com azeite e pescado de qualidade. Foi um planejamento de dez anos, desde a minha lua de mel, para trazer o produto ao Brasil”, contou José Américo, um dos fundadores da Fui ao Mar, em evento acompanhado por VEJA.
A ousadia é exatamente virar essa chave em um produto que é considerado popular e que sai por pouco mais de R$ 6. A opção gourmet, com preços acima de R$ 60, não está no dia a dia da população. A proposta é que ela também passe a ser apreciada e esteja presente em ocasiões especiais.
O diferencial desses artigos para os produtos já conhecidos está na combinação do frescor dos pescados, que tão logo saem das embarcações já são eviscerados por ágeis mulheres experientes, com o controle de qualidade industrial para o pré-cozimento e seleção rigorosa dos insumos para a composição das conservas.
“Temos novas tecnologias para esse mercado e podemos desenvolver produtos com assinatura, sustentabilidade e qualidade com a forma mais eficiente de conservar o peixe que são as conservas”, explica Adriano Casal Ribeiro, um dos fundadores da Jose Gourmet.
E o sabor da sardinha?
Todos nós já recorremos à sardinha em um dia de preguiça ou de despensa quase vazia. Na apresentação organizada pela importadora, prevaleceram a criatividade e o destaque para o ingrediente capaz de transportar o comensal para as bandas do Rio Tejo ouvindo um fado – por mais que o menu tivesse ingredientes brasileiros e famosos na gastronomia internacional.
Para iniciar, uma dupla de torradas com patê de sardinha e de atum, que surpreende pela textura aveludada. Impossível não pensar que a ideia de ter o peixe em versão patê é um ganho em praticidade e sabor para receber visitas em casa.
Em uma taça de martini, uma entrada que surpreende já pela apresentação: salada de quinoa com abacate e uma sardinha ao azeite posicionada no topo. Enquanto a untuosidade do abacate envolve os grãos, a conserva inclui notas de amargor, mas sem dominar o prato com o sabor característico do peixe.
Ribeiro explica que, ao desembarcar no Brasil, a marca, que produz 2 milhões de latas de conservas por ano, vai atingir 50 países de atuação. Os Estados Unidos correspondem a 45% dos compradores, mas ele imagina que os laços históricos podem criar uma importante parceria. “Acredito que o mercado brasileiro vai se tornar rapidamente o nosso segundo ou terceiro mercado de exportação. Além de ser muito grande, é um país que segue tendências.”
Para evidenciar o gosto mais forte das sardinhas petingas, o acompanhamento quase neutro apenas de chips de banana da terra. A versão defumada faz a mente esquecer completamente o produto tão familiar para conectá-lo com o universo das conservas, que se destaca por criar sabores únicos ao permitir misturas de ingredientes e técnicas.
Frutos do mar em conserva
Uma pausa para uma explicação. Assim como ocorre com as conservas vegetais, esses enlatados têm o céu como limite. Dessa forma, lulas, polvos, mexilhões, mariscos e outras delícias marinhas podem ser conservadas em lata.
Isso para dizer que o polvo em conserva de alho se destaca pela maciez sem perder a estrutura e, apresentado como finger food, é uma ode à delicadeza.
Voltando às prateadas, como não poderia faltar, o prato do cansaço com outra roupagem. Com uma massa fresca e a versão de sardinha em molho (verdadeiro) de tomate. Com o perdão da redundância, o molho era o que vinha na lata e conseguia ser consistente sem ser ressecado, misturando acidez e dulçor.
Com tudo equilibrado e alinhado, a Fui ao Mar, nome que é referência também a um fado entoado por Amália, pretende navegar por outras águas e trazer para cá delícias de outros países. “Vamos começar com dez marcas de conservas, duas de azeite e temperos de Portugal. Depois, produtos da Espanha e da França”, diz Lydia Brasil, uma das fundadoras da importadora.
Harmonização é possível
Como nos tradicionais banquetes, a harmonização com bebidas é bem-vinda. Neste caso, ficou por conta de cinco espumantes da Família Geisse, premiada vinícola brasileira.
As escolhas foram: Cave Amadeu Brut Rose, Cave Amadeu Brut, Cave Geisse Brut, Cave Geisse Nature e Cave Geisse Rose Bruit. Para além do clima festivo e borbulhante, cada taça ajudou a destacar os pontos fortes dos pratos e trazer o frescor e leveza que os alimentos do mar pedem.