A culinária é espelho delicado da cultura e da evolução de uma sociedade. Seria natural, portanto, que as atuais preocupações com o ambiente e a saúde chegassem à mesa, em forma de manifesto. No espírito de nosso tempo, uma corrente da gastronomia busca, com criatividade e sem comprometimento do sabor e da estética dos pratos — pelo contrário —, oferecer alternativas. E, então, os vegetais, antes coadjuvantes das refeições, começam a se tornar protagonistas de receitas e carro-chefe de menus. É o verde que te quero verde.
A onda conversa diretamente com o crescimento do vegetarianismo e do flexitarianismo (a versão flexível, que permite ingerir carne vez ou outra) pelo mundo. Mas não é só esse público que acaba fisgado pelas invenções dos chefs que transformam repolho, couve e abobrinha, hortaliças ainda sem apelo a muita gente, em preparos sofisticados e deliciosos. Preferências à parte, há um bônus nessa escolha: tanto quem prepara como quem come abraçam a causa da sustentabilidade, que instala a redução no consumo de alimentos de origem animal como um pilar inegociável.
Um dos maiores expoentes desse movimento é o chef israelense Yotam Ottolenghi. Seu segredo, compartilhado em livros como o recém-lançado Sabor (Companhia de Mesa), é encontrar e testar novas formas de receita com atenção especial aos ingredientes do reino vegetal. Em suas criações, ele combina verduras, legumes, frutas e temperos. E lança mão de técnicas inesperadas, como tostar, dourar, infundir e maturar, para proporcionar sensações que vão da acidez à doçura, do picante ao suave — muitas vezes, tudo junto e misturado.
No Brasil, a tendência já é rotina na cozinha de nomes como Helena Rizzo. Em seu premiado restaurante Maní, dono de uma estrela Michelin, em São Paulo, ela serve comida contemporânea com ênfase em orgânicos e, claro, espaço cativo para folhas, brotos e raízes. Reinventados, eles dão as caras em pratos como os brócolis com alga, missô, salicórnia e gema de ovo. “São ingredientes incríveis”, diz a chef. “E um pouco menos óbvios de se preparar, o que é um desafio instigante para nós, cozinheiros. Exploramos formas de preparo específicas para cada um deles de modo a tirar o que há de melhor em termos de sabor, aroma e textura.”
A ascensão dos vegetais, ressalve-se, não é fenômeno restrito a restaurantes. Já se insinua, com velocidade, em cozinhas domésticas, em processo que exige se desprender de preconceitos e visões tradicionais. Uma delas: a de que esses alimentos só combinam com saladas ou refogados para acompanhar as carnes. Não é mais assim. O protagonismo da natureza dentro da panela e das travessas pede outro olhar. A sugestão de Helena Rizzo, como regra e premissa, é: “O respeito aos produtos de época deveria ser uma máxima para quem vai cozinhar”.
Há um modo estatístico de medir a pequena revolução no paladar. O consumo de proteína animal vem caindo nos últimos anos em quase todos os países, no Ocidente e no Oriente. Um relatório da Bloomberg Intelligence prevê que só o mercado de proteínas plant-based deverá saltar para colossais 821 bilhões de reais em 2030. Entre os brasileiros, a procura por carne bovina e suína, frango e peixe despencou 67% em 2022, em comparação com o ano anterior, segundo pesquisa do The Good Food Institute Brasil. Sai mais barato, mas cresce porque faz bem e promove o bem, de mãos dadas com o cuidado pelo planeta. Vale lembrar uma frase do fenomenal Alain Ducasse: “Eu amo tudo o que brota da terra. E tudo o que está debaixo da terra eu adoro cozinhar”. Palavras de um mestre.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838