Sentar-se ao balcão de um restaurante de culinária japonesa é quase um gesto de amizade e crença. É prática de iniciados — ou, vá lá, de quem sabe desconhecer os nomes dos alimentos e prefere ir no ritmo dos conselhos do chef. Chama-se omakase (“confio em você”, na tradução literal), o recurso de ir comendo o que o cozinheiro sugere, a depender da temporada do ano, na forma de um menu degustação de surpresas. Era, até muito recentemente, postura de uma elite que sabia das coisas. O mais comum sempre foi passear pelo cardápio ou apelar para rodízios insossos, ruins mesmo. Vive-se, agora, uma revolução no paladar. Para além dos endereços de Tóquio, com o evidente aval nova-iorquino, também no Brasil a onda chegou com força entre os amantes de pratos nipônicos.
É um espetáculo. Diz o crítico gastronômico americano Jeffrey Steingarten, um dos mais reputados da atualidade: “Espere receber os frutos do mar mais perfeitos disponíveis naquela época do ano, peixes que serão manuseados com tanto cuidado quanto um rim aguardando transplante. É fascinante a precisão do trabalho, a tranquilidade, a falta de pretensão e a beleza das facas”.
Trata-se, enfim, da união do paladar, em primeiro lugar, com a estética e o bem viver, simples assim. “Sushi qualquer um que se dedique pode fazer”, diz o chef Tsuyoshi Murakami, que passou anos à frente do restaurante Kinoshita, em São Paulo, antes de inaugurar o próprio espaço, que leva seu nome. “Queremos apresentar algo diferente.” E viva, como sugestão, a série em oito tempos, entre pratos quentes e frios. O shari, o arroz, fica pronto na hora e é usado na montagem esmerada dos sushis. Todo dia é diferente. Podem ser três cortes diferentes de bluefin, a mais cara e cobiçada espécie de atum, que mostram os diferentes teores de gordura do peixe, ou um delicado lagostim servido sobre uma fina fatia de limão-siciliano e coberto com caviar. Tudo é preparado na frente dos comensais, com apuro e rapidez, como num balé. “A ideia é emocionar”, resume Murakami. Emoção que se espalha, felizmente.
Há uma concentração de restaurantes que apostam na escolha livre no bairro paulistano da Liberdade, de inspiração oriental. Mas há locais em regiões como o elegante Itaim, a exemplo do Watanabe, que investem em criações com toques contemporâneos do chef Denis Watanabe e de seu braço direito, Eduardo Takeshi. “A procura pelo omakase vem aumentando muito”, diz Takeshi. “Temos clientes que vêm aqui regularmente só para provar as novidades.” A Casa Ueda, no Rio de Janeiro, também tem chamado a atenção. São geralmente restaurantes mais caros, de tíquete médio mais alto — um omakase pode custar de 400 reais a mais de 1 000 reais por pessoa, sem contar a harmonização, muitas vezes feita com saquês artesanais. Não à toa, até o final de 2020, quando o Guia Michelin, o mais prestigioso do mundo, avaliava os restaurantes de São Paulo e Rio de Janeiro com suas cobiçadas estrelas, a lista era dominada por japoneses que ofereciam menus de confiança. Neste ano, após um período de ausência, o guia voltará a publicar seus escolhidos em março, e há grande expectativa pela consolidação do formato.
O termo, em si, é relativamente recente. Cunhado em 1967, só ganhou força em meados da década de 1990, quando clientes endinheirados passaram a frequentar restaurantes japoneses famosos e pagavam pela seleção de um especialista. O hábito de confiar no talento de quem prepara os sushis, contudo, é tradição antiga, que parecia ter sido engolida pela pressa do mundo, mas não. Poucos exemplos são tão famosos quanto o Sukiyabashi Jiro, de Tóquio, comandado pelo mestre Jiro Ono, hoje com 98 anos. Com apenas dez lugares, o espaço se tornou lendário ao oferecer refeições em etapas preparadas pelo próprio Ono. O então presidente americano Barack Obama esteve lá, em 2014, a convite do premiê Shinzo Abe, assassinado em 2022, e comprovou algo difícil de encontrar na política: a confiança é uma extraordinária experiência.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877