Pratos com carne feita em impressoras 3D e outras delícias de laboratório
Novidades como frango produzido com células cultivadas e laticínio animal free chegam ao mercado e dão uma ideia do que comeremos no futuro
A indústria alimentícia, em especial a de produtos de origem animal, deu outro passo na sua empreitada para aumentar as ofertas de produtos que têm cara de futuro e gosto de presente. Depois das carnes e laticínios com base em plantas, a onda agora são hambúrgueres, filés, nuggets e proteína do leite feitos em laboratório, tornando desnecessários a criação e o abate de animais. Em alguns lugares, pratos com esses ingredientes são realidade. No fim do ano passado, Singapura se tornou o primeiro país a autorizar a venda de carne cultivada e experimentar os nuggets de frango feitos pela empresa americana Eat Just. Em Israel, a SuperMeat abriu um restaurante onde oferece sanduíches de frango criado a partir de um punhado de células em troca de feedbacks sobre o produto. Nos Estados Unidos, estão à venda sorvetes produzidos com proteínas lácteas feitas por fungos geneticamente modificados da Perfect Day.
No Brasil, a carne cultivada pode estar disponível entre 2024 e 2025. No início do ano, a BRF, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, anunciou investimentos na startup israelense Aleph Farms, conhecida por fazer bifes de células animais. A Aleph foi a primeira a desenvolver um ribeye cultivado e bioimpresso em 3D. O então primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu provou a iguaria e gostou. “É deliciosa e livre de culpa”, avaliou Netanyahu na ocasião. A fabricação dos ingredientes é fruto de processos tremendamente sofisticados. A carne é feita a partir de uma pequena quantidade de células-tronco extraídas dos animais por meio de uma biópsia. Células-tronco ainda não são especializadas. Ou seja, não são células musculares ou cerebrais, por exemplo. Por isso, podem ser transformadas em células que dão origem a uma grande variedade de tecidos. No caso das retiradas dos bois, são estimuladas a se especializarem em fibras de tecido muscular bovino. Em até trinta dias, elas estão no ponto. Os laticínios são produzidos por microrganismos geneticamente modificados para secretar proteína de leite idêntica à encontrada no alimento vindo das vacas.
Essa indústria tenta suprir a demanda por proteína animal com menos impacto ambiental. A pecuária é responsável por 14% das emissões mundiais de gases de efeito estufa a cada ano, e a produção de leite contribui com 4%. “Queremos construir uma cadeia da produção de alimentos mais sustentável, saudável e que seja capaz de nutrir um número crescente de pessoas”, diz Gustavo Guadagnini, presidente do The Good Food Institute (GFI) Brasil. Porém, um estudo da Universidade de Oxford alerta que, dependendo do tipo de energia utilizada nos laboratórios de carne, por exemplo, o ganho obtido com a redução de metano (gás associado ao efeito estufa produzido em quantidade expressiva por bois e vacas) pode ser superado a longo prazo pelas emissões de CO2 que resultam do processo. Objeções a esse tipo de alimento incluem ainda o uso de organismos geneticamente modificados, no caso dos laticínios, e de células-tronco, nas carnes. Hoje, no entanto, os principais entraves à ampliação do acesso aos produtos são a regulamentação, o custo e a capacidade de produção em escala. Mas a indústria trabalha para superá-los. “Há dezoito meses, o quilo da carne cultivada custava 1 000 dólares. Agora está em torno de 150 dólares. Nossa ambição é que em dois a três anos, quando chegarmos ao mercado, esteja entre 35 e 40 dólares o quilo”, diz Marcel Sacco, vice-presidente de Inovação da BRF. A continuar o desgoverno na economia, os brasileiros daqui a pouco pagarão pela carne tradicional o mesmo que custará a cultivada.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755