Uma carioca acusada de matar seu segundo marido nos Estados Unidos tornou-se a primeira brasileira na história a ser extraditada para julgamento no exterior. Cláudia Cristina Sobral, conhecida como Claudia Hoerig nos Estados Unidos, é acusada de ter assassinado o marido americano Karl Hoerig, após ter adquirido cidadania americana por naturalização. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que Cláudia teria perdido a nacionalidade brasileira ao adquirir a dos Estados Unidos — a Constituição prevê que brasileiros não podem ser extraditados para países estrangeiros sob qualquer hipótese. Apesar de extraditada, Cláudia não poderá ser condenada a mais de 30 anos de prisão devido a acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos. Esta é a pena máxima admitida pelas normas brasileiras.
Cláudia conheceu o marido pela Internet em 2005. Pouco tempo depois, casaram-se em Las Vegas. Major da Força Aérea e veterano das guerras do Afeganistão e do Iraque, Hoerig supostamente agredia a esposa, a obrigava a andar nua e de salto alto em casa e, quando estava viajando a trabalho, a proibia de sair da residência. Ao longo dos dois anos de casamento, ela sofreu três abortos. Em março de 2007, Hoerig foi encontrado morto na residência do casal. A suspeita recaiu sobre Cláudia, pois o marido foi morto com tiros de uma arma igual à que a brasileira havia comprado cinco dias antes. Além disso, no mesmo dia em que Hoerig foi morto, Cláudia saiu dos Estados Unidos rumo ao Brasil deixando para trás praticamente todos seus pertences.
Enquanto nos Estados Unidos houve uma campanha pela extradição de Cláudia, no Brasil, o caso gerou uma batalha judicial, com o seu capítulo decisivo ocorrendo nesta semana, quando a carioca de 53 anos foi enviada de volta aos Estados Unidos. Cláudia partiu do Brasil em avião fretado pelo governo americano no último dia 17 e, ao chegar, foi enviada diretamente à cadeia do condado de Trumbull, no estado de Ohio.
O processo
Cláudia morava nos Estados Unidos desde o início da década de 1990 e solicitou a nacionalidade americana em 1999 — 10 mil brasileiros adquirem voluntariamente a nacionalidade daquele país a cada ano, segundo dados do governo americano. A perda da nacionalidade brasileira foi efetivada em 2013, por portaria assinada pelo então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. O Ministério da Justiça afirma que a decisão foi baseada no Artigo 12, parágrafo 4º, da Constituição Federal, e que essa medida é regra no caso de aquisição de outra nacionalidade.
O texto constitucional citado diz que “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; ou de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”.
Nacionalidade originária significa uma cidadania adquirida ou recebida por conta de origens familiares estrangeiras, como é o caso de milhares de brasileiros que buscam anualmente os consulados italiano, espanhol ou português para reivindicar a cidadania desses países por serem descendentes de pessoas originárias daí.
No caso de Cláudia, a questão sobre a perda da nacionalidade brasileira centra-se na segunda parte do texto constitucional: “imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”. O advogado Adilson Macabu argumenta que Cláudia optou pela naturalização porque não conseguia atuar como profissional de nível superior, citando exemplos de jogadores de futebol, como Roberto Carlos, naturalizado espanhol para poder jogar pelo Real Madrid.
Para ele, “a decisão de retirar a nacionalidade dela foi inconstitucional”. Ele tem como base o Inciso 51 do artigo 5º da Constituição, que diz que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização; ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
“Brasileiro nato só pode perder a nacionalidade por ato expresso do interessado, o que nunca ocorreu”, afirma Macabu. Ele acrescenta que a jurisprudência do Supremo era de que brasileiro nato, quaisquer que fossem as circunstâncias e a natureza do delito, não poderia ser extraditado do Brasil a pedido de governo estrangeiro. “É uma questão de soberania nacional”, acrescenta.
STF
A defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão do ministro da Justiça. Lá, obteve uma liminar favorável. O caso foi parar no STF, onde foi julgado pela 1a Turma da Corte. Nela, por 3 votos a 2, os ministros entenderam que Cláudia renunciou à nacionalidade brasileira ao adotar a cidadania norte-americana em 1999.
Na decisão, que cassou a liminar do STJ, foi ressaltado que o pedido de extradição deveria ser condicionado ao compromisso formal de os Estados Unidos não aplicarem penas proibidas no Brasil — aí incluídas a prisão perpétua ou a pena de morte, que são possíveis no Estado de Ohio, onde ela morava com o então marido.
A defesa solicitou então a reaquisição da nacionalidade brasileira, argumentando que ela já havia voltado a constituir família, trabalho e moradia no Brasil, tendo inclusive votado nas últimas eleições, mas o pedido foi negado em 2017.
A defesa de Cláudia ainda tenta reverter a situação com duas medidas: uma ação no próprio STF, para revogar a decisão tomada, e outra no STJ, questionando o ato que netou a reaquisição da nacionalidade brasileira. Adilson Macabu critica o fato de a extradição ter ocorrido antes desses questionamentos serem respondidos. “Ela ficou um ano e meio presa, quando nós temos no Brasil pessoas condenadas que responderam a processo, que tiveram direito de defesa, e que estão soltas. E ela, que não foi processada, estava presa. Agora, extraditada”, critica. Na visão do advogado, o correto seria que ela fosse processada e que respondesse por possíveis crimes no país e segundo as normas brasileiras.
Em nota oficial enviada pelo Ministério da Justiça sobre a situação da brasileira extraditada, o secretário nacional de Justiça, Rogério Galloro, explicou que “trata-se de caso inédito”, uma vez que o Brasil não extradita nacionais. “Por isso, o caso durou alguns anos e foi bastante debatido, pois primeiro foi necessária a comprovação efetiva da perda da nacionalidade, para somente depois autorizar-se a extradição”.
O órgão destacou que o governo norte-americano se comprometeu a não adotar penas além da pena máxima aplicada no Brasil, que é a de 30 anos de prisão. “Este é um compromisso, que já vinha sendo solicitado pela Suprema Corte brasileira e que agora foi incorporado pela nova legislação que regula os procedimentos extradicionais no país”, ressalta o diretor adjunto do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), Tácio Muzzi, autoridade central para extradição, conforme o comunicado.
(Com Agência Brasil)