Pedra no meio do mandato
Com a eleição na reta final, Trump tem feito de tudo para manter a maioria na Câmara: até prometeu acabar com a cidadania americana de quem nasce nos EUA
As eleições legislativas, que acontecem quando o presidente dos Estados Unidos está na metade do seu mandato, tradicionalmente cumprem o papel de conter o poder do inquilino da Casa Branca. Isso porque o partido do primeiro mandatário, seja ele qual for, raramente vai bem nesse primeiro teste nas urnas. A tradição deve ser mantida na terça-feira 6, quando todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes, equivalente à Câmara dos Deputados brasileira, serão trocadas. Projeta-se que os democratas desbancarão a maioria republicana. No Senado, em que apenas 35 dos 100 postos serão submetidos à votação, a troca de comando partidário é menos provável.
A motivação dos eleitores em impor contrapesos ao poder presidencial tem raízes fincadas há muito tempo na democracia dos Estados Unidos. “Há entre os americanos uma cultura muito forte de controlar o presidente, e eles se preocupam em ter um governo mais diverso, sem que alguém seja muito influente”, diz o cientista político Stephen Routh, da Universidade Estadual da Califórnia. Uma vez que assumam a Câmara dos Representantes, os democratas terão bastante trabalho pela frente. “Haverá mais investigações sobre temas da administração de Trump. Como consequência, seu gabinete precisará gastar muito mais tempo respondendo a perguntas e produzindo documentos sobre o que está fazendo”, diz o cientista político Darrell West, da Brookings Institution. Como o Congresso deixará de ser uma caixa de ressonância do presidente, o provável é que ele passe a usar mais decretos, assim como fez o ex-presidente Barack Obama quando o Legislativo lhe foi hostil. Os deputados democratas, portanto, podem vir a criar certa resistência, mas nada que venha a impedir Trump de agir com alguma desenvoltura. “Ele, ao menos, não estará tão entusiasmado, querendo testar os limites de seu poder com liberdade”, diz John Pitney, da Universidade Claremont McKenna, na Califórnia.
Na campanha, os dois partidos se posicionaram de maneiras muito distintas. Os democratas apelaram para as mulheres e para as minorias. Apenas quatro em dez candidatos a cargos legislativos e aos governos estaduais são homens brancos. Entre os cabos eleitorais mais ativos dos democratas está Obama. No lado republicano, três quartos dos pretendentes são homens brancos. Para motivarem seus eleitores a votar, eles abraçaram as bandeiras políticas de Trump, como a imigração. Trata-se, aliás, de uma eleição em que a figura do presidente será central. É o que dizem três em cada quatro americanos. Em geral, menos de 60% afirmam isso.
Ciente de seu papel no pleito, Trump tem feito dezenas de atos públicos pelo país e criado factoides em ritmo alucinante. Diante da notícia de que uma caravana com 7 000 migrantes da América Central está a caminho dos Estados Unidos, ele anunciou que iria mandar 5 200 soldados para a fronteira. Na quarta 31, elevou o número para até 15 000. Um dia antes, afirmara sua intenção de acabar — por decreto — com o direito à cidadania americana de quem nasce em território dos Estados Unidos, que está previsto na Constituição há 150 anos. A ameaça de Trump parece destinada apenas a açular seu eleitorado, já que não se pode anular um artigo da Constituição por decreto. Diz o sociólogo Barry Eidlin, da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá: “Trump faz campanha com o medo das pessoas e divide os americanos”.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607