Agora é para valer
Nova legislação trabalhista vai estimular criação de empregos e reduzir volume de processos. Mas juízes e procuradores prometem resistir a algumas mudanças
Quando a crise aperta, as empresas evitam ao máximo demitir funcionários. Seja pelo custo, seja pela perda de mão de obra qualificada, a primeira opção é sempre recorrer a férias coletivas ou outros expedientes que escapem ao corte de vagas. Em boa parte do mundo, um artifício comum é diminuir temporariamente a jornada de trabalho e também os salários. No Brasil, algumas negociações nesses moldes foram feitas nos últimos anos, mas quase sempre acabaram na Justiça. Isso porque a legislação brasileira não permitia acordos dessa natureza. A partir de agora, esse cenário de “tudo ou nada”, com pouco espaço para o diálogo entre empregados e patrões, tende a mudar com a entrada em vigor da nova legislação trabalhista neste sábado, 11, resultado da reforma aprovada em julho passado pelo Congresso.
O fortalecimento das negociações e dos acordos coletivos, que passam a prevalecer sobre o que está na lei, é um dos pilares na nova legislação. Nações como a Alemanha e os Estados Unidos já consagraram esse instrumento há alguns anos. Nesses países, houve o entendimento, por parte dos trabalhadores e dos sindicatos, de que vale a pena perder parte do salário, por alguns meses, no lugar de perder o trabalho. Essa maleabilidade é apontada por especialistas como uma das causas para os índices mais baixos de desemprego. Na França, um dos países com maior tradição em legislação trabalhista no mundo, novas regras que fortalecem o papel das negociações foram aprovadas em setembro. É uma necessidade que vai além dos tempos de crise. “O que as empresas mais se dispõem a negociar, até para atender à reivindicação da geração dos millennials (quem se tornou adulto nos anos 2000), é a flexibilidade na jornada de trabalho”, diz o advogado Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho. “É uma demanda da sociedade. Em muitas atividades, o trabalho é cada vez mais intelectual e depende menos da presença física do empregado.”
Muitas das novas regras que entram em vigor já fazem parte da realidade trabalhista, mas não eram contempladas por uma legislação, desatualizada, nascida há 74 anos. Quem trabalha em casa ou cumpre jornadas parciais e irregulares, muitas vezes por vontade própria (o caso típico de uma mãe que só deseja trabalhar em algumas tardes, por exemplo), tinha de buscar na Justiça direitos como o 13º salário e as férias. Outros não encontravam uma vaga porque a legislação não previa expedientes curtos. Isso agora muda. A jornada intermitente (não contínua) deve permitir a criação de milhares de vagas no comércio e no setor de serviços, sempre respeitado o pagamento proporcional de todos os direitos trabalhistas previstos na CLT e do salário mínimo. Vale frisar que continuam preservados direitos como o 13º salário, as férias remuneradas e o recolhimento do FGTS pela empresa. Outra boa notícia foi a extinção da contribuição sindical obrigatória, que equivalia a um dia de trabalho do empregado no ano. Agora o pagamento será autorizado pelo funcionário. Isso deve valorizar a atuação de sindicatos que se empenham pela defesa dos trabalhadores e acabar com aqueles que são de “fachada”, criados apenas para receber o dinheiro das contribuições.
Embora a reforma tenha sido aprovada em julho e tenham se passado 120 dias para que as alterações entrassem em vigor, a aplicação da nova lei não se dará de modo uniforme de imediato. Alguns pontos são contestados por juízes e procuradores do trabalho sob a alegação de que são inconstitucionais. É o caso da permissão para que seja negociada de forma coletiva a prorrogação de jornada em ambiente insalubre. “Essa previsão é inconstitucional. A Constituição prevê que o trabalhador tem como direito fundamental a redução dos riscos inerentes ao trabalho”, diz Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Na prática, isso significa que juízes poderão invalidar acordos que versem sobre o tema. Outro ponto contestado é o que impõe restrições ao direito de gratuidade judiciária a quem comprovar não ter condições de arcar com as custas do processo. A nova lei prevê que, se o trabalhador perder a causa (total ou parcialmente), mesmo que ele seja de baixa renda, será responsável pelo pagamento de honorários do advogado vencedor e de eventual perícia que tenha sido feita. Mas, apesar dos questionamentos, a reforma era necessária. Atualmente, mais de 3 milhões de ações são ajuizadas a cada ano no país. É um custo tremendo para as empresas, que, no fim, acaba prejudicando a própria criação de empregos.
As principais mudanças
Os acordos entre empresas e empregados poderão se sobrepor à lei em alguns pontos, como a jornada de trabalho. Abre-se a possibilidade de redução das horas trabalhadas, mediante diminuição do salário, em períodos de crise. Direitos como férias e licença-maternidade não poderão ser negociados.
Sua duração poderá ser negociada entre empresa e empregado, respeitando-se o mínimo de trinta minutos. Hoje ele não pode ser inferior a uma hora.
O novo prazo passa a ser de 120 dias, prorrogáveis por igual período.
Não havia regulamentação na lei. Agora as regras deverão constar do contrato de trabalho firmado entre empresa e funcionário.
Será possível contratar trabalhadores sem carga horária fixa, mas eles devem ser convocados com pelo menos três dias de antecedência.
Passarão a ter direito a benefícios como auxílio-alimentação, transporte e atendimento médico. Os demitidos não poderão ser recontratados antes de dezoito meses.
Se o trabalhador quiser sair do emprego e chegar a um acordo com a empresa, terá direito a multa de 20% do FGTS e poderá movimentar 80% do saldo (antes não recebia nada).
Poderão ser divididas em até três períodos, mas o trabalhador continua tendo direito a trinta dias de descanso ao ano.
Equivalente ao valor de um dia de trabalho no ano, deixa de ser obrigatória para o empregado.
Deverão ser pagas pela parte perdedora da ação, mesmo se o trabalhador for de baixa renda. A norma tenta coibir processos trabalhistas infundados.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2017, edição nº 2556