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Cícero Galli Coimbra, o médico que trata a esclerose múltipla sem remédio

Professor da Unifesp, o neurologista utiliza quase exclusivamente a vitamina D para conseguir o que muitos médicos consideram impossível: deixar seus pacientes livres dos efeitos das doenças autoimunitárias

Por Branca Nunes
Atualizado em 10 dez 2018, 09h54 - Publicado em 25 jun 2014, 16h37
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    Em abril de 2008, como fazia quase toda semana ao voltar para casa, Pablo Petrucelli, então com 28 anos, parou numa padaria no bairro da Aclimação, em São Paulo, para comer um pedaço de pizza. No momento em que pegou o vidro de azeite, sentiu a força do braço desaparecer. “Foi como se a mão caísse”, recorda. Com o passar dos dias, como a sensação permaneceu, procurou um ortopedista. Ouviu do médico que precisava submeter-se a uma cirurgia para “investigar o problema”. Pablo recusou a sugestão e foi procurar um neurologista.

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    Muitos exames depois, o diagnóstico: neuropatia motora multifocal, uma doença autoimunitária semelhante à esclerose múltipla. O tratamento, que incluía não fazer exercícios físicos e não tomar sol, era à base de corticoides, remédios caríssimos como a imunoglobulina humana e quimioterapia. Nada conseguiu conter a doença que, em dois anos, evoluiu para a mão esquerda e as pernas. “Eu não conseguia abrir a porta de casa com a chave, pegar um copo com firmeza ou mesmo me espreguiçar”, conta Pablo. “Além disso, sentia muitas câimbras”.

    Há pouco mais de um ano, Pablo voltou a ter uma vida normal.

    Com Daniel Cunha, foi um pouco diferente. Em outubro de 2009 ele acordou com metade do rosto dormente. No decorrer da semana, perdeu o equilíbrio e a força nas mãos, até que o lado direito da face ficou paralisado. Diagnosticado com esclerose múltipla, iniciou um tratamento com corticoides e interferon, um remédio com muitos efeitos colaterais. “Quando comecei a pesquisar sobre a doença e vi que teria que tomar aquilo para o resto da vida, caí em depressão”, diz.

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    Desde junho de 2010, Daniel não apresenta nenhum vestígio da doença.

    Histórias semelhantes são contadas por Marcelo Palma, 32, Vera Folli, 57, Fernanda Campos, 39, e Luciana Campos, 44, entre muitos outros. Além da vitória sobre doenças consideradas incuráveis, eles têm em comum o médico: todos são pacientes do neurologista Cícero Galli Coimbra, que se dedica em tempo integral ao tratamento da esclerose múltipla.

    Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Coimbra começou a utilizar há pouco mais de 10 anos um método baseado quase exclusivamente na vitamina D para conseguir o que muitos médicos consideram impossível: deixar seus pacientes livres dos efeitos das doenças autoimunitárias. Alvo de críticos que o acusam de colocar em prática um tratamento experimental, rebate cada uma das acusações com a serenidade de quem vê empiricamente os resultados positivos. As centenas de e-mails que diariamente invadem sua caixa postal quase sempre terminam com a mesma palavra: obrigado. Segue-se abaixo a íntegra da entrevista com o neurologista:

    Como o senhor usa a vitamina D no combate às doenças autoimunitárias? Primeiro, é preciso entender que a vitamina D é um hormônio. Ela recebeu esse nome por ter sido descoberta no início do século passado, quando foi detectada sua presença no óleo de fígado de bacalhau. Como já haviam identificado as vitamina A, algumas do complexo B e a C, os pesquisadores imaginaram estar diante da D. Levou algumas décadas para descobrirem que essa substância tinha a mesma estrutura básica dos hormônios esteroides. Como o termo já estava consagrado, acharam melhor mantê-lo.

    No que consiste o tratamento? Existem pesquisas sobre os efeitos da vitamina D no sistema imunológico há mais de quatro décadas. Cerca de 10 anos atrás, começamos a usar doses de 10 mil unidades, que chamamos de fisiológicas, para a correção da vitamina D em pacientes com esclerose múltipla e verificamos uma melhora significativa. Naquela época, também tivemos acesso a estudos que indicavam que os portadores de doenças autoimunitárias apresentam graus variados de resistência a esse hormônio. De posse dessas informações, passamos a aumentar as doses acima de 10 mil unidades, sempre acompanhando os pacientes laboratorialmente para evitar o único efeito colateral importante da vitamina D, que é o perigo de calcificação renal pelo excesso de absorção de cálcio. Ao fazer isso percebemos que, quanto mais aumentávamos as doses, maiores eram os benefícios. Nos últimos cinco anos conseguimos desenvolver uma técnica capaz de identificar a dose de vitamina D necessária para deixar cada paciente livre da atividade da doença.

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    O que são as doenças autoimunitárias e como elas agem no organismo? São doenças nas quais o próprio sistema imunológico ataca o organismo. Existem dezenas delas. A artrite reumatoide, por exemplo, agride principalmente as pequenas articulações, vitiligo e psoríase agridem a pele. No caso da esclerose múltipla, o sistema nervoso central é afetado, provocando múltiplas lesões que podem deixar o paciente cego ou tetraplégico.

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    A doença desaparece totalmente? A atividade da doença desaparece em 95% dos casos, desde que não esteja num estágio muito avançado. Nos outros 5% o tratamento tem um efeito parcial, mas ainda assim significativo. Existem dois fatores principais que, embora ainda não saibamos por que, reduzem o sucesso: o tabagismo e a depressão, sintoma bastante comum em pacientes que já foram muito afetados pela doença. Quando o tratamento é iniciado rapidamente, entretanto, é possível reverter as sequelas.

    Como a vitamina D age no combate às doenças autoimunitárias? A diferença entre a vitamina D e as drogas convencionais usadas no tratamento das doenças autoimunitárias é que ela é um imunorregulador, não um imunossupressor. Enquanto os outros medicamentos deprimem o sistema imunológico como um todo, deixando o organismo suscetível a infecções, a vitamina D é a única substância capaz de, seletivamente, inibir a reação chamada “th17”, que é causada pelas doenças autoimunológicas.

    Alguns médicos acusam este tratamento de ser experimental. As críticas são naturais, porque este é um tratamento novo. Em nenhum momento da história da medicina houve consenso instantâneo sobre uma inovação. A grande maioria dos médicos foi ensinada a tratar as doenças autoimunitárias com imunossupressores e muitos nem sabem que a vitamina D é um hormônio. Por ser relativamente recente, esse conhecimento não está nos livros de neurologia ou de reumatologia, embora existam centenas de publicações, depoimentos e artigos científicos confiáveis sobre o tema. Além do mais, a medicina baseada em evidências considera dispensáveis os estudos controlados quando o efeito benéfico é nítido. Como poderíamos administrar placebos (substâncias reconhecidamente inativas) a pacientes portadores de doenças graves simplesmente para provar cientificamente as vantagens de um tratamento que já sabemos ser eficiente? Essa negligência poderia causar o acúmulo de sequelas permanentes em pacientes privados de um benefício óbvio.

    Por que esse conhecimento não é amplamente divulgado? Quando um médico diz que este tratamento não tem fundamento científico é porque não ouve falar sobre ele nos congressos médicos. Como esses eventos são patrocinados pela indústria farmacêutica, é evidente que eles priorizarão a divulgação de medicamentos capazes de gerar lucro, o que não é o caso de uma substância que não pode ser patenteada por ser natural, própria do organismo. Diversas publicações médicas denunciam esse tipo de atitude. No fim do ano passado, por exemplo, a Multiple Sclerosis Journal, uma das revistas mais importantes sobre esclerose múltipla, propôs a médicos que respondessem a seguinte pergunta: se eu tivesse síndrome clinicamente isolada (como é chamado o primeiro surto de esclerose múltipla) e a minha ressonância mostrasse lesões típicas dessa doença, eu tomaria uma dose diária de 10 mil unidades de vitamina D? Um médico irlandês chamado Michael Hutchinson chegou ao ponto de afirmar que, se fosse um de seus pacientes, ele não trataria com vitamina D. Mas que, se fosse um de seus filhos, ele diria para começar a tomar o mais rápido possível.

    Qual o caso mais surpreendente que o senhor já tratou? Existem tantos que é difícil escolher um, então nossa tendência é lembrar sempre dos últimos. Há pouco tempo, uma bailarina diagnosticada com esclerose múltipla e que não conseguia mais nem usar salto alto, porque esta doença prejudica o equilíbrio, fez passos de dança no corredor da clínica. Foi emocionante.

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    Como é o tratamento? Esse tratamento se baseia num tripé: altas doses de vitamina D, dieta livre de alimentos ricos em cálcio e hidratação de pelo menos 2 litros e meio de líquidos por dia. Ao longo de dois anos o paciente passa por quatro consultas. Na quarta, recebe alta provisória, mas continua com a vitamina e a dieta. Dois anos depois, ele refaz os exames laboratoriais e passa por uma consulta de revisão.

    O paciente precisará tomar essas altas doses de vitamina D para o resto da vida? Ainda não sabemos ao certo por quanto tempo o paciente precisará manter essa rotina, mas é racional imaginar que, aqueles que começaram o tratamento num estágio avançado da doença, provavelmente não poderão interrompê-la.

    O tratamento é caro? Como a vitamina D é muito barata e ela corresponde a 95% do tratamento, o custo mensal varia de 30 a 80 reais, dependendo da dose diária administrada. Isso contrasta com os 10 mil a 15 mil reais por mês que são gastos com cada paciente nos tratamentos convencionais. Além disso, enquanto a vitamina D elimina 100% da atividade da doença em quase todos os casos, as outras drogas bloqueiam no máximo 30%, segundo a própria indústria farmacêutica.

    Como as doenças autoimunitárias são adquiridas? Pela minha experiência, acredito que são necessários basicamente três fatores: resistência genética aos efeitos benéficos da vitamina D, histórico de baixa exposição solar e stress emocional. A literatura médica identifica que 85% dos surtos de esclerose múltipla são precedidos por stress emocional, que pode ser causado por situações que vão desde a separação dos pais até a morte súbita de um ente querido, passando por rupturas afetivas e a pressão provocada pelo vestibular.

    Qual a incidência dessas doenças no Brasil? Não temos o número exato, mas sabemos que a incidência tem aumentado muito nos últimos anos justamente porque as pessoas estão se expondo menos ao sol. Foram constatações como essa que suscitaram a curiosidade de pesquisadores com relação à vitamina D. Eles observaram que a frequência dessas doenças no nível da linha do Equador era muito menor do que em países distantes dos trópicos. Como a principal diferença ambiental em função da latitude é a disponibilidade de radiação solar e, consequentemente, a produção de vitamina D, começaram a estudar a importância desse hormônio para a saúde humana. Pelo modo de vida que temos hoje, não conseguimos nos expor ao sol por tempo suficiente.

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    Quanto tempo é suficiente? Cerca de 20 minutos de exposição solar, com braços e pernas à mostra sem filtro solar, podem produzir 10 mil unidades de vitamina D. Depois de atingir o dobro dessa quantidade, a produção cessa. Curiosamente, essa realidade contrasta com a recomendação de órgãos internacionais, que atualmente instruem os médicos a indicarem suplementos de apenas 600 unidades diárias. Por que o corpo humano produziria 10 mil unidades se necessitasse de menos? Essas 600 unidades são incapazes de tirar um indivíduo adulto de um estágio de deficiência de vitamina D.

    Por que a recomendação é tão baixa? Aí entramos na seara das especulações, mas o fato é que a vitamina D é um produto natural e, por isso, não pode ser patenteado e não interessa à indústria farmacêutica.

    Ao mesmo tempo que a vitamina D é importante, existe uma neurose com relação à exposição solar. Afinal, o que é saudável? Nossa única fonte fisiológica de vitamina D é o sol e, ironicamente, o momento em que esse hormônio é produzido pelo organismo coincide justamente com as horas em que a radiação solar é mais forte e que, se for excessiva, pode provocar câncer de pele. Mas 20 minutos sem protetor solar (porque ele praticamente bloqueia a produção desse hormônio) só trarão benefícios ao organismo. Não existe uma única célula humana que não seja beneficiada pela vitamina D. Além das doenças autoimunitárias, a carência desse hormônio pode causar hipertensão, diabetes, câncer e abortos no início da gestação, além de estar correlacionada com doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Se fosse dada uma complementação de apenas 5 mil unidades por via oral para toda a população urbana adulta, seria possível diminuir, da noite para o dia, de 40% a 50% o número de novos casos de câncer. Com esses dados é possível ter uma ideia do desastre para a saúde pública que é ter 80% da população urbana com deficiência dessa vitamina.

    Qual é uma dose segura de vitamina D para uma pessoa saudável? O uso de altas doses de vitamina D pode causar sérios riscos à saúde se você não está sendo acompanhado laboratorialmente e clinicamente por um médico habilitado. Para uma pessoa saudável, posso dizer sem sombra de dúvidas que 10 mil unidades diárias não causarão nenhum risco, muito pelo contrário. Para aqueles que sofrem de alguma doença autoimunitária, essa dose proporcionará um alívio parcial, mas não eliminará o problema. Doses maiores podem ser utilizadas, desde que com acompanhamento médico.

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