De acordo com um novo estudo, publicado nesta terça-feira no prestigiado periódico científico The Lancet, o consumo moderado de gorduras, equivalente a 35% das calorias diárias, incluindo a tão temida gordura saturada, está associado a uma longevidade maior.
Para os cientistas, com base nos resultados da pesquisa e ao contrário da crença popular, o consumo de gorduras em quantidade mais elevada do que os 30% de calorias diárias que as normas internacionais recomendavam desde a década de 1980 pode reduzir o risco de morte por doença cardiovascular em até 23%.
Por outro lado, uma ingestão elevada de carboidratos – equivalente a mais de 60% das calorias diárias – aumenta esse risco.
Gordura, sim
No recente estudo, os pesquisadores da Universidade McMaster e da Hamilton Health Sciences, ambas no Canadá, analisaram a alimentação de 135.000 pessoas nos cinco continentes. Em média, a dieta dos participantes era composta por 61% de carboidratos, 23% de gordura e 15% de proteína.
Os resultados mostraram que uma dieta que inclui até 35% de gorduras totais incluindo saturada, poli-insaturada e monoinsaturada – a mais saudável de todas – reduz o risco de morte prematura em até 23%. Altos níveis de ingestão de gordura saturada, normalmente considerada prejudicial à saúde, diminuiu esse risco em 13%.
Por outro lado, as pessoas que ingeriam altas quantidades de carboidratos, encontrados principalmente em pães e arroz, apresentaram um aumento de 30% no risco de morte, em comparação com aquelas que estavam em uma dieta “low carb“, ou seja, com baixo consumo da substância.
Os pesquisadores acreditam que esse efeito prejudicial do excesso de carboidrato esteja associado ao fato de que ele é facilmente armazenado como glicose no corpo, aumentando rapidamente seu nível no sangue, o que contribui para o desenvolvimento de doenças crônicas como diabetes e obesidade – dois fatores de risco para doenças cardiovasculares.
Gordura x carboidratos
Outra pesquisa, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que as gorduras e os carboidratos podem impactar a saúde do coração de maneiras completamente diferentes. Das 309 mulheres, com idade entre 48 e 79 anos, que apresentavam risco de aterosclerose – formação de placas de gorduras nas artérias -, as que consumiram 5% de gordura saturada acima da quantidade ideal, o que poderia aumentar consideravelmente o risco cardíaco, tiveram quase 6% de redução na progressão da doença. Em compensação, as que excederam o consumo de carboidrato em 10% mostraram um aumento de 2,8% na obstrução.
Como não é novidade para ninguém, tudo depende de uma dieta rica e variada somada a outros fatores determinantes, como a prática de atividade física e a genética de cada indivíduo. “Não é só o consumo de gordura que está relacionado a esse risco, mas muitas variáveis do estilo de vida”, disse Daniel Magnoni, cardiologista e nutrólogo do Hospital do Coração e do Hospital Dante Pazzanese de Cardiologia, ambos em São Paulo.
“Outros nutrientes, como proteínas e fibras, e fatores de risco, como fumo, obesidade e hipertensão, também são importantes.”
Excesso
Em excesso – quando ultrapassa 5% do padrão indicado pelos especialistas – a gordura saturada de fato está associada a uma taxa maior de problemas cardiovasculares e mortalidade, elevando o colesterol ruim (LDL) em até 10 miligramas por decilitro de sangue.
Segundo Magnoni, a gordura monoinsaturada eleva os níveis de colesterol HDL, seu tipo considerado bom, e reduz o LDL. A poli-insaturada, não altera o HDL e reduz o LDL. Já a gordura saturada, reduz o HDL e aumenta o LDL – o que em excesso pode ser bastante negativo.
“Ao longo da evolução da alimentação ocidental houve um aumento excessivo de gorduras e carboidratos no cardápio, desencadeando o aumento da obesidade e do sedentarismo.”, diz o especialista.
Alimentos e gorduras
Em 2013, a Sociedade Brasileira de Cardiologia divulgou, com base em estudos mais recentes sobre o assunto, novas recomendações sobre o consumo de gorduras – o que antes era limitado em até 30% das calorias diárias, hoje é em 35%. As gorduras poli-insaturadas caíram de 11% para 10% e as monoinsaturadas subiram de 12% para 15%.
Até mesmo a quantidade de gorduras saturadas, sempre tratadas como inimigas da boa alimentação, foram alteradas de 7% para 10%.
Os alimentos por si só possuem diferentes composições de gorduras. O alimento mais rico em gordura monoinsaturada mais presente na mesa é o azeite de oliva que tem 75,5% da substância em sua composição entre os 99,9% de gorduras totais.
Já a manteiga é a campeã em gorduras saturadas, representando 49,2% de 74,1%. No entanto, ao contrário do que diz a crença popular, a gordura não pode nem deve ser completamente eliminada da dieta.
“A gordura saturada é necessária para a produção hormonal, produção das células de defesa e a formação da membrana celular“, explicou Magnoni, um dos médicos que assinaram a atual diretriz.
Mudança constante
Os pesquisadores canadenses acreditam que as recomendações alimentares precisam ser sempre revistas no mundo todo, afinal, os hábitos alimentares sempre variam de região para região. Além disso, na opinião desses cientistas, o colesterol LDL não deve ser a única variável na previsão de eventos cardiovasculares, como o derrame.
Para Magnoni, isso é, em parte, correto. “As diretrizes têm que ter regionalidades com base nos dados econômicos e sociais de cada população. A alimentação de um asiático, por exemplo, é diferente de uma alimentação como a nossa.”