Walter Mancini, dono de restaurantes famosos: “Não fecharei as portas”
Ele luta para salvar seus tradicionais endereços em São Paulo em meio à crise
Uma notícia falsa que circulou recentemente na internet dizia que, devido às medidas de isolamento social implementadas em São Paulo, meu restaurante, o Famiglia Mancini, estava falido e iria fechar as portas para sempre. É mentira. De certa forma o boato foi bom porque recebi dezenas de ligações, e-mails e até cartas de clientes de todo o Brasil me apoiando, e isso me deu ainda mais gás para lutar por meu negócio. Há 42 anos, em 10 de maio de 1980, eu fundei o Famiglia Mancini na Rua Avanhandava, na capital paulista. Desde então, todos os dias, às 6h30 da manhã, eu sou o primeiro a chegar. E o último a sair, já de madrugada. Tanto trabalho rendeu frutos. De lá para cá, na mesma rua, abri outros quatro restaurantes e uma galeria de arte. Minha filha inaugurou por lá uma loja de roupas e acessórios. Revitalizamos a vizinhança e a transformamos em um ponto turístico, um polo gastronômico a céu aberto.
Desde o estouro da pandemia, no entanto, as coisas ficaram bastante difíceis. Não só o meu restaurante, como todos os outros foram obrigados a fechar as portas e a atender somente por delivery. Nesse abre e fecha, felizmente voltaremos a servir almoço a partir deste sábado, 24. Mas, a queda foi tão grande que, se antes eu comprava um caminhão de verduras e legumes no Ceasa, hoje é suficiente ir a feiras livres. Os meses foram passando e meu caixa acabou. Para manter todos os meus estabelecimentos abertos, honrar compromissos com os fornecedores e, principalmente, pagar todos os meus funcionários, precisei recorrer ao banco. Desde então, em média, tenho despesas mensais de cerca de 130 000 reais por restaurante. Somando tudo, em um ano acumulei 9 milhões de reais em empréstimos. Estou no limite do meu crédito. Mas não estou falido. Hoje, eu ainda emprego cerca de 300 funcionários. Antes, eram mais, mas muitos foram embora. Acertei as contas com todos eles, com decência e dentro da lei. Sem traumas e numa relação carinhosa e de agradecimento. Daí, você me pergunta: não seria melhor fechar? Não. E a razão é simples: minha vida está naquela rua. Eu quero que aqueles restaurantes durem mais 100 anos. Não sou um investidor. Sou um mantenedor. Cuido com amor. Eu não sei como isso tudo vai acabar, mas sei que, se os restaurantes morrerem, eu morro junto. Morre o restaurante, morre o Walter. Mas eu não me entrego fácil. Não posso deixar baixar o moral. Vou lutar para sobreviver porque aquilo ali é a minha história e estou defendendo a minha vida. Daqueles restaurantes eu tirei o sustento da minha casa e a criação dos meus filhos. Não existe para mim essa história de “encerrar as atividades”. Isso nem passa pela minha cabeça. Estou falando da herança dos meus filhos, e não dá para pegar um legado e jogar fora. Para mim, aquelas casas têm as digitais de Deus. Então, como eu posso fechar um lugar assim? Seria uma ousadia. Eu sou apenas o caseiro Dele.
Mesmo diante de uma situação tão dramática, hoje eu estou tranquilo e sereno. Sabe por quê? Porque eu não persigo dinheiro. Eu persigo um sonho. Eu não quero o lucro ou trocar de carro todo ano. Minha natureza não é a da ganância. Eu quero ver a máquina voltar a andar, quero ver aquela rua toda iluminada novamente e repleta de pessoas felizes, com saúde e com esperança de viver. O que pingar no meu caixa, eu vou usar para pagar todas as contas. Não estou desesperado. Eu estou, sim, agradecido de ter a companhia dos meus colaboradores e funcionários. Sem soberba, devo tudo aos meus funcionários e aos meus clientes. Estamos todos abraçados. A Rua Avanhandava não morreu. Ela só está adormecida e vai acordar já, já. Essa crise é como uma batalha para mim. Eu vou defender aquilo que eu criei. Vou lutar e vou vencer.
Walter Mancini em depoimento dado a Felipe Branco Cruz
Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735